CANTEIRO DE OBRAS: símile de caderno de campo, instrumento tão prosaico do ofício etnográfico, de onde são construídos [ e destruídos, para que de suas ruínas outras tantas edificações possam surgir ] todos os mais sólidos paradigmas antropológicos. O caráter destrutivo, intrínseco ao desenvolvimento do pensamento antropológico, também é fundante de qualquer canteiro de obras.
O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas eis precisamente por que vê caminhos por toda parte. Onde outros esbarram em muros ou montanhas, também aí ele vê um caminho. Já que o vê por toda parte, tem de desobstruí-lo também por toda parte. Nem sempre com brutalidade, às vezes com refinamento. Já que vê caminhos por toda parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento é capaz de saber o que o próximo traz. O que existe ele converte em ruínas, não por causa das ruínas, mas por causa do caminho que passa através delas.
Símile porque hipercaderno de campo, um cadernoide, espaço virtual de experimentação hipertextual [ fundamentalmente dinâmica, fragmentária, não-sequencial, inconclusa ] e do concomitante desenvolvimento de estratégias para saber… fazer… saber fazer “saltar” entre seus fragmentos, arranjados de múltiplas maneiras, sempre renovadas. Todavia, na distância que separa este hipercaderno daquele tradicional caderno de campo, uma afinidade essencial parece restar: seu inacabamento essencial, lugar de contínuos retornos e [re]começos. CANTEIRO DE OBRAS: tempo da infância, espaço de brincadeira.
É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção […]. Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande.
Como brinquedo, coisa de jogar, CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia se [re]constitui então como um dispositivo hipertextual de escrita, formado a partir de resíduos do pensamento de Walter Benjamin; fragmentos diversos, notas e materiais de uma antropologia apenas esboçada, jamais concluída, ruínas enigmáticas que insistem em desafiar a compreensão de seus leitores contemporâneos… [ para iniciar o jogo, a brincadeira, clique aqui ]
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CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia diz respeito a um conjunto bastante diverso de fragmentos [ notas, materiais, esboços ] escritos por Walter Benjamin [ 1892-1940 ] ao longo de pouco mais de duas décadas [ 1918-1940 ], em diferentes contextos e com finalidades variadas, mas que, todavia, foram em algum momento agrupados em arquivos considerados de temática antropológica. Ao todo são cerca de 550 fragmentos, dispostos em 7 arquivos temáticos ordenados em 4 pastas, de acordo com as sugestões, editoriais e de pesquisa, do próprio autor e de seus editores, especialistas em sua obra, nomeadamente, Rolf Tiedemann [ editor alemão dos Gesammelte Schriften ] e Willi Bolle [ responsável pela edição brasileira do Passagens ]. O conjunto dos fragmentos se apresenta da seguinte forma:
1. Sobre antropologia [ Fragmente vermischten Inhalts […]. Gesammelte Schriften VI – reunidos por R. Tiedemann ]
….apontamentos
….um plano de trabalho
2. Antropologia geral [ Das Passagen-Werk. Gesammelte Schriften V – 4 arquivos temáticos, agrupados por W. Bolle ]
….B [Moda]
….D [O tédio, eterno retorno]
….O [Prostituição, Jogo]
….S [Pintura, Jugendstil, novidade]
3. K [cidade de sonho e morada de sonho, sonhos de futuro, niilismo antropológico, Jung] [ Das Passagen-Werk ]
4. p [materialismo antropológico, história das seitas] [ idem ]
Assim arrancados de seus contextos originais e transpostos para um espaço virtual de “novas e incoerentes” relações, todavia conservando a organização em pastas, arquivos e fólios dada de antemão ao material, “um pequeno mundo inserido no grande”, estes arquivos benjaminianos de antropologia se [re]constituem aqui como dispositivo hipertextual de escrita, “essencialmente móvel e dinâmico, voltado para um trabalho produtivo de construção, desconstrução e nova construção, envolvendo a participação ativa dos leitores” [ cf. Bolle 2006 ] na exploração das múltiplas possibilidades combinatórias que a leitura por links desta pequena coletânea de fragmentos diversos, notas e materiais parece oferecer… [ para acessar o dispositivo, clique aqui ]
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Os fragmentos ditos Sobre antropologia e suas respectivas notas do editor foram traduzidos a partir da edição alemã dos Gesammelte Schriften [ Suhrkamp 1985 ] por André-Kees de Moraes Schouten. As notas e materiais reunidos nos outros 6 arquivos temáticos foram reproduzidos a partir da edição brasileira do Passagens [Editora UFMG | Imprensa Oficial 2006], organizada por Willi Bolle com colaboração de Olgária C. F. Matos, traduções de Irene Aron [alemão] e Cleonice P. B. Brito [francês]. Tendo a organização optado por incorporar ao aparato editorial publicado no Brasil as notas que acompanham tanto a edição alemã quanto as versões norte-americana e francesa, também elas foram aqui reproduzidas, discriminadas segundo as abreviaturas abaixo:
E/M = Howard Eiland e Kevin McLaughlin [tradutores da versão norte-americana]
J.L. = Jean Lacoste [tradutor da versão francesa]
R.T. = Rolf Tiedemann
w.b = Willi Bolle
Além deste conjunto de manuscritos benjaminianos sobre antropologia e de suas respectivas notas editoriais que, junto às suas múltiplas ferramentas de leitura por links constituem mais propriamente aquilo que chamamos de dispositivo hipertextual de escrita [ dis]positivo wb antropo[logia ], o navegante também encontra aqui uma ampla variedade de informações sobre a vida e a obra de Walter Benjamin [ na barra superior ]: listas biobibliográficas [ vita wb | escritos … ], vídeos diversos [ wb rundfunk ] e outros sites de interesse [ galaxia w[e]b ], além de um glossário de termos benjaminianos [ glossário reunido ]. O presente glossário toma por base tanto o “Glossário da terminologia benjaminiana” que acompanha a edição brasileira do Passagens [ Editora UFMG | Imprensa Oficial 2006 ] como o “Léxico remissivo” presente nos Escritos sobre mito e linguagem [ Editora 34 | Duas Cidades 2011 ]; ademais também foram acrescentados os termos relativos ao trabalho de tradução dos ditos fragmentos “Sobre antropologia”.
Vale lembrar também que as imagens e figuras apresentadas nos [ planos de construção | passagens-baudelaire ] foram [re]produzidas a partir dos ensaios de Willi Bolle, “As siglas em cores no Trabalho das passagens de Walter Benjamin” [ 1996 ], “Um painel com milhares de lâmpadas: metrópole & megacidade” [ 2006 ] e de sua “Nota introdutória” relativa aos “Materiais para o livro-modelo das Passagens (O Baudelaire)” [ Passagens 2006 ]; da edição italiana do Trabalho das Passagens [ Parigi, Capitale del XIX Secolo, Torino, 1986 ], organizada por Giorgio Agamben; e do catálogo da exposição Arquivos de Walter Benjamin, realizada no final de 2006, com apoio da Kulturstiftung des Bundes, pela Academia de Artes de Berlim, onde se encontram atualmente os originais dos manuscritos ora reproduzidos.
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Gostaria de expressar aqui meus agradecimentos à Editora da UFMG e à Imprensa Oficial do Estado de SP, ao professor Willi Bolle e às professoras Olgária Matos, Irene Aron e Cleonice Brito por autorizarem a reprodução dos trechos relativos à edição brasileira do Passagens [ 2006 ]. Sou grato também a meus/minhas colegas de [des]orient, pela disposição em discutir a arquitetura deste canteiro de obras ainda em sua fase seminal. Finalmente quero agradecer a meus amigos Pedro Belasco, cientista social e grande entusiasta da cultura digital, pelo paciente suporte técnico desde muito tempo, e Álvaro de Oliveira, pela ajuda com a revisão da tradução dos manuscritos “Sobre antropologia” , sem os quais nada disso teria sido possível.
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CANTEIRO DE OBRAS arqui]vos de antropo[logia é resultado da pesquisa de doutorado realizada por André-Kees de Moraes Schouten, sob a orientação de John Cowart Dawsey, junto ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo [ PPGAS | FFLCH | USP ], com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [ CAPES ].