[K 3, 1]

Mais de um século antes de tornar-se plenamente manifesta, a tremenda intensificação do ritmo da vida anuncia-se no ritmo da produção, mais precisamente na forma da máquina. “O número de instrumentos de trabalho com os quais o homem pode operar ao mesmo tempo é limitado pelo número de seus instrumentos naturais de produção, seus próprios órgãos corporais… A Jenny, ao contrário, tece desde o início com doze ou dezoito fusos; o tear de meias tece com milhares de agulhas de uma só vez etc. Desde o início, o número de instrumentos com os quais trabalha simultaneamente a mesma máquina de operações independe do limite orgânico que restringe o instrumento artesanal de um operário.” Karl Marx, Das Kapital, vol. I, Hamburgo, 1922, p. 337. O ritmo do trabalho mecanizado tem como conseqüência modificações no ritmo da economia. “Neste país, o ponto essencial é fazer fortuna no menor tempo possível. Antigamente, o projeto de fazer fortuna de uma empresa começada pelo avô somente era concluído pelo neto. Hoje, as coisas não são mais assim; todo mundo quer fruir sem esperar, sem ter paciência.” Louis Rainier Lanfranchi, Voyage á Paris, ou Esquisses des Hommes et des Choses dans Cette Capitale, Paris, 1830, p. 110.

[K 3, 2]

I alegoria

Também a simultaneidade, esta base do novo estilo de vida, provém da produção mecânica: “Cada máquina, em sua parte, fornece matéria-prima a máquina seguinte e, como todas elas funcionam simultaneamente, o produto se encontra assim constantemente tanto nos diversos graus de seu processo de fabricação quanto na transição de uma fase de produção à outra… A máquina de operação combinada, agora um sistema articulado de diferentes máquinas isoladas e de grupos de máquinas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo for seu processo total, isto é, quanto menos interrupções ocorrerem na passagem da matéria-prima da primeira à ultima fase de produção, portanto quanto mais o mecanismo, e não a mão humana, conduzir o material de uma fase de produção à outra. Se o princípio da manufatura é o isolamento dos processos particulares pela divisão do trabalho, na fábrica desenvolvida reina a continuidade ininterrupta destes mesmos processos.” Karl Marx, Das Kapital, vol. I, Hamburgo, 1922, p. 344.

[K 3, 4]

Um pequeno exemplo de análise materialista, mais valioso que a maioria das coisas que existem neste domínio: “Amamos estes materiais pesados que a frase de Flaubert eleva e deixa cair com o barulho intermitente de uma escavadeira. Pois, se, como alguém escreveu, a lâmpada de Flaubert acesa na noite servia de farol para os marinheiros, pode-se dizer também que quando ‘descarregou’ suas frases, estas vinham com o ritmo regular de uma dessas máquinas de terraplanagem. Felizes os que sentem esse ritmo obsedante.” Marcel Proust, Chroniques, Paris, 1927, p. 204 (“A propos du ‘style’ de Flaubert”).

[K 3, 5]

Em seu capítulo sobre o caráter fetiche da mercadoria, Marx demonstrou quão ambíguo parece ser o mundo econômico do capitalismo — uma ambigüidade fortemente acentuada pela intensificação da gestão capitalista. Isto é claramente perceptível, por exemplo, nas máquinas que agravam a exploração em vez de amenizarem o fardo dos homens. Não se relaciona a isto, de maneira geral, a ambivalência dos fenômenos com o que temos que lidar no século XIX? Um significado até então desconhecido da embriaguez para a percepção, da ficção para o pensamento? “Uma coisa desapareceu na desordem geral, o que é uma grande perda para a arte: a ingênua e, portanto, fortemente marcada harmonia entre a vida e a aparência”, é o que se lê significativamente em Julius Meyer, Geschichte der modernen französischen Malerei seit 1789, Leipzig, 1867, p. 31.