[O 1, 1]

Não estaria ele acostumado a reinterpretar a imagem da cidade, por toda parte, em razão de suas constantes andanças? Não transformaria ele a passagem em um cassino, em um salão de jogos, onde aposta as fichas vermelhas, azuis, amarelas dos sentimentos em mulheres: em um rosto que surge — responderá este rosto a seu olhar? —, em uma boca silente — dirá ela algo? Aquilo que mira o jogador a partir de cada número sobre o pano verde — a sorte — dirige-lhe uma piscadela vinda de todos os corpos femininos como a quimera da sexualidade: como o seu tipo. Este nada mais é do que o número, a cifra sob a qual a sorte quer ser chamada pelo nome, neste exato instante, para saltar logo depois para um outro número. O tipo é a casa da aposta — que rende trinta e seis vezes o valor apostado — sobre a qual recai sem querer o olhar do libertino, como a bolinha de marfim que cai na casa vermelha ou na preta. Ele sai do Palais-Royal com os bolsos cheios, acena para uma prostituta e celebra mais uma vez em seus braços o ato com o número, graças ao qual o dinheiro e a riqueza, livres de todo peso terrestre, chegaram a ele pelas mãos do destino como um abraço plenamente retribuído. Pois no bordel e no salão de jogos trata-se do mesmo deleite, que é o mais pecaminoso: enfrentar o destino no prazer. Deixemos que os idealistas ingênuos acreditem que o prazer dos sentidos, seja qual for, possa determinar o conceito teológico de pecado. A luxúria autêntica tem como base nada mais do que justamente essa subtração do prazer do curso da vida com Deus, cuja ligação com ele reside no nome. O próprio nome é o grito do prazer desnudo. Este elemento sóbrio, em si mesmo desprovido de destino — o nome — não conhece outro adversário senão o destino, que ocupa o seu lugar na prostituição e monta seu arsenal na superstição. Daí, no jogador e na prostituta, a superstição que dispõe as figuras do destino e preenche todo o entretenimento galante com o atrevimento e a concupiscência do destino, fazendo o próprio prazer ajoelhar-se diante de seu trono.

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[O 1, 2]

“Ao evocar minhas lembranças do Salon des Étrangers, tal como era na segunda década de nosso século, vejo diante de mim os traços nobres e a figura cavalheiresca do conde húngaro Hunyady, o maior jogador daquela época, que alvoroçava então toda a sociedade… A sorte de Hunyady foi excepcional durante muito tempo; nenhuma banca pôde resistir a suas investidas, e seus ganhos devem ter atingido aproximadamente dois milhões de francos. Seu comportamento era surpreendentemente calmo e extremamente distinto; ficava sentado, aparentemente impassível, a mão direita pousada sobre o peito da casaca, enquanto milhares de francos dependiam de uma carta de baralho ou de um lance de dados. Seu camareiro, no entanto, confidenciou a um amigo indiscreto que os nervos de seu senhor não eram assim tão fortes quanto ele procurava demonstrar, e que, bem ao contrário, pela manhã o conde trazia no peito as marcas sangrentas de suas unhas, que ele, durante a agitação do jogo, quando este tomava um rumo perigoso, cravava em sua carne.” Captain Gronow, Aus der grossen Welt, Stuttgart, 1908, p. 593.

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[O 1, 3]

Sobre o modo como Blücher jogava em Paris, ver o livro de Gronow, Aus der grossen Welt, pp. 54-56. Quando perdeu, obrigou o Banco da França a adiantar-lhe 100.000 francos como capital de jogo, e teve que abandonar Paris quando este escândalo veio à tona. “Blücher não saía da casa de jogo do n. 113 do Palais-Royal, e gastou seis milhões durante sua estada; todas as suas terras estavam empenhadas quando ele deixou Paris.” Paris ganhou mais com as tropas de ocupação do que teve de pagar como indenização de guerra.

[O 1, 5]

A seguinte história demonstra de modo bastante convincente como justamente a imoralidade pública, em total oposição à imoralidade privada, carrega seu corretivo em si mesma, num cinismo libertador. A narrativa se encontra em Carl Benedict Hase, que vivia na França como um pobre preceptor, e que enviou para casa cartas escritas de Paris e durante suas andanças: “Quando eu passava pela Pont-Neuf, saltou em minha direção uma rapariga exageradamente maquilada. Ela estava com um vestido leve de musselina, erguido até os joelhos, deixando ver as calçolas de seda vermelha que cobriam as coxas e o ventre. ‘Tome. meu amigo, você é jovem, é estrangeiro, você vai precisar disto…’, disse ela, tomando-me a mão e deixando nela um bilhete, para depois desaparecer na multidão. Pensei ter recebido algum endereço; olho o bilhete, e o que leio? O anúncio de um médico que diz curar todas as doenças imagináveis em pouco tempo. É curioso que essas moças, responsáveis por toda aquela desgraça, coloquem em nossa mão os meios para nos livrarmos dela.” Carl Benedict Hase, Briefe von der Wanderung und aus Paris, Leipzig, 1894, pp. 48-49.