[O 1a, 3]

-II- prostituta

Sobre o mofo (Veuillot: “Paris cheira a mofo”) da moda: o “glauco clarão” sob as saias, de que fala Aragon. O espartilho como passagem do tronco. O imenso contraste com o mundo ao ar livre de hoje em dia. Aquilo que hoje é comum nas prostitutas baratas — não se despir — pode ter sido outrora a praxe mais distinta. Apreciava-se o retroussée — a saia levantada — na mulher. Hessel supõe ter encontrado aqui a origem do erotismo de Wedekind, cujo páthos do ar livre teria sido um blefe. E que mais? ■ Moda

[ +++ ]

[O 1a, 4]

Sobre a função dialética do dinheiro na prostituição. Ele compra o prazer e ao mesmo tempo torna-se expressão da vergonha. “Eu sabia”, diz Casanova a respeito de uma alcoviteira, “que eu não teria a força de partir sem dar-lhe alguma coisa”. Esta expressão singular revela seu conhecimento do mecanismo mais secreto da prostituição. Moça alguma decidiria tornar-se prostituta se contasse apenas com a remuneração tarifária dada por seus clientes. Também a gratidão deles, que talvez represente o acréscimo de alguma porcentagem, mal seria considerada por ela uma base suficiente. Como funciona, então, seu cálculo inconsciente do homem? Não se pode compreender esse mecanismo enquanto se considerar o dinheiro somente como um meio de pagamento ou como um presente. Com certeza, o amor da prostituta é venal. Mas não a vergonha de seu cliente. Esta procura um esconderijo para estes quinze minutos, e o encontra no lugar mais genial: no dinheiro. Há tantas nuanças do pagamento quanto há nuanças do jogo amoroso: indolentes e rápidas, furtivas ou brutais. O que isto quer dizer? A ferida vermelha de vergonha no corpo da sociedade secreta dinheiro e sara. Ela se reveste de uma crosta metálica. Deixemos ao espertalhão o prazer barato de imaginar-se livre de vergonha. Casanova sabia das coisas: o atrevimento lança a primeira moeda sobre a mesa, a vergonha cobre cem vezes a aposta, para ocultá-la.

[O 1a, 5]

“A dança na qual a vulgaridade … se expõe com um atrevimento sem igual é a tradicional quadrilha francesa. Quando os dançarinos, com suas pantomimas, conseguem ofender profundamente todo sentimento de delicadeza, não chegando, porém, ao ponto de precisar temer serem expulsos do salão pelos agentes de polícia ali presentes, essa dança se chama cancan. Quando, ao contrário, todo sentimento moral é pisoteado pela maneira de dançar, quando, após uma longa hesitação, os policiais sentem-se finalmente impelidos a chamar a atenção dos dançarinos para a decência, com as palavras habituais: ‘Dancem com mais decência ou serão postos para fora!’, então esta versão de intensidade mais elevada, ou melhor, ‘esta versão mais rebaixada’ chama-se chahut. /… A grosseria bestial … fez surgir um regulamento policial… Os cavalheiros podem comparecer a estes bailes fantasiados, mas não mascarados. Em parte, para não ficarem tentados a cometer maiores vulgaridades por estarem irreconhecíveis, mas também — e sobretudo — para que, caso um dançarino quisesse mostrar durante a dança o non plus ultra da depravação parisiense e fosse por isso posto para fora pelos policiais, ele fosse reconhecido e impedido de adentrar novamente o salão… As mulheres, ao contrário, só podem comparecer se estiverem usando máscaras.” Ferdinand von Gall, Paris und seine Salons, vol. 1, Oldenburg, 1844, pp. 209 e 213-214.