[K 9, 1]

Proust sobre noites de sono profundo após um grande cansaço: “Elas nos fazem reencontrar, ali onde nossos músculos fincam e retorcem suas ramificações aspirando a vida nova, o jardim onde fomos crianças. Não é preciso viajar para revê-lo; é preciso descer para reencontrá- lo. O que um dia cobriu a terra não está mais sobre ela, mas abaixo; para visitar a cidade morta, não basta uma mera excursão — é preciso fazer escavações.” As palavras contradizem a orientação de sair à procura dos lugares onde fomos crianças. Elas mantêm, no entanto, seu significado também como crítica à memória voluntária. Marcel Proust, Le Côté de Guermantes, vol. I, Paris, 1920, p. 82.

[K 9, 2]

Articulação entre a obra proustiana e a obra de Baudelaire: “Uma das obras-primas da literatura francesa, Sylvie, de Gérard de Nerval, assim como o livro Mémoires d’Outre-Tombe … oferece uma sensação do mesmo tipo que a do gosto da madeleine… Em Baudelaire, enfim, essas reminiscências, mais numerosas ainda, são evidentemente menos fortuitas e, portanto, a meu ver, decisivas. É o próprio poeta que, com uma escolha mais ampla e com mais preguiça, procura voluntariamente, no perfume de uma mulher, por exemplo, de sua cabeleira e de seu seio, as analogias inspiradoras que lhe evocarão ‘o azul do céu imenso e redondo’, e ‘um porto cheio de velas e mastros’. Eu ia procurar lembrar-me das peças de Baudelaire que se baseiam, da mesma forma, em uma sensação transposta, para colocar-me decididamente numa filiação tão nobre, e assim assegurar-me de que a obra, que não hesitaria empreender, merecia o esforço que iria lhe consagrar, quando, tendo chegado ao fim da escada…, encontrei-me … no meio de uma festa.” Marcel Proust, Le Temps Retrouvé, vol. II, Paris, 1927, pp. 82-83.