Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!
Giacomo Leopardi, Diálogo entre a Moda e a Morte.
arqui]vos de antropo[logia
arquivo temático Passagens [GS V]
Nada morre, tudo se transforma.
Honoré de Balzac, Pensées, Sujets, Fragments, Paris, 1910, P. 46
E o tédio é a treliça diante da qual a cortesã provoca a morte. ■ Ennui ■
Semelhança das passagens com os galpões cobertos onde se aprendia a pedalar. Nesses locais, a mulher assumia sua aparência mais sedutora: a de ciclista. Assim ela aparece nos cartazes da época. Chéret, o pintor dessa beleza feminina. A roupa da ciclista, como protótipo precoce e inconsciente da roupa esportiva, corresponde aos protótipos das formas oníricas, tal qual elas, um pouco antes ou depois, apareceram para as fábricas ou para o automóvel. Assim como as primeiras construções de fábricas apegavam-se à forma tradicional das moradias e as primeiras carrocerias de automóveis imitavam as carroças, também a expressão esportiva na roupa da ciclista luta ainda com a tradicional imagem ideal da elegância e o fruto desta luta é o toque obstinado, sádico, que tornou estes anos tão incomparavelmente provocantes para o mundo masculino. ■ Moradas de sonho ■
“Nestes anos [por volta de 1880], começa não só a moda do Renascimento a fazer traquinagens, mas também se inicia, por outro lado, um prazer novo da mulher pelo esporte, principalmente pela equitação, e ambas as coisas influenciam a moda em direções bastante diferentes. É original, embora nem sempre bonita, a maneira como os anos de 1882 a 1885 procuram conciliar os sentimentos que fazem a alma feminina oscilar de um lado para o outro. Busca-se uma solução ao modelar a cintura da maneira mais justa e simples, tornando, porém, a saia ainda mais rococó.” 70 Jahre deutsche Mode, 1925, pp. 84-87.
Aqui a moda inaugurou o entreposto dialético entre a mulher e a mercadoria — entre o desejo e o cadáver. Seu espigado e atrevido caixeiro, a morte, mede o século em braças e, por economia, ele mesmo faz o papel de manequim e gerencia pessoalmente a liquidação que, em francês, se chama révolution. Pois a moda nunca foi outra coisa senão a paródia do cadáver colorido, provocação da morte pela mulher, amargo diálogo sussurrado com a putrefação entre gargalhadas estridentes e falsas. Isso é a moda. Por isso ela muda tão rapidamente; faz cócegas na morte e já é outra, uma nova, quando a morte a procura com os olhos para bater nela. Durante um século, a moda nada ficou devendo à morte. Agora, finalmente, ela está prestes a abandonar a arena. A morte, porém, doa a armadura das prostitutas como troféu à margem de um novo Letes que rola pelas passagens como um rio de asfalto. ■ Revolução ■ Amor ■
“Nada está inteiramente em seu lugar, mas é a moda que fixa o lugar de tudo.” L’Esprit d’Alphonse Karr, Paris, 1877, p. 129. “Se uma mulher de bom gosto, ao desnudar-se à noite, se encontrasse realmente do jeito que insinuou ser durante o dia todo, creio que seria encontrada, no dia seguinte, submersa e afogada em suas lágrimas.” Alphonse Karr, cit. em E Th. Vischer, Mode und Zinismus, Stuttgart, 1879, pp. 106-107.
Em Karr, encontra-se uma teoria racionalista da moda, que apresenta muita semelhança com a teoria racionalista da origem das religiões. Ele atribui o aparecimento de saias longas ao fato de certas mulheres terem interesse em esconder um <pé> sem graça. Ou ele denuncia como origem de cenas formas de chapéus e penteados o desejo de disfarçar um cabelo ralo.
Quem hoje ainda se lembra onde, na última década do século passado, as mulheres ostentavam aos homens sua aparência mais sedutora, a mais íntima promessa de seu corpo? Nos galpões cobertos e asfaltados nos quais se aprendia a pedalar. Como ciclista, a mulher disputa o primeiro lugar com a cantora dos cartazes e dá à moda sua linha mais ousada.
Para o filósofo, o aspecto mais interessante da moda é sua extraordinária capacidade de antecipação. É consenso que a arte, muitas vezes, geralmente por meio de imagens, antecipa em anos a realidade perceptível. Ruas ou salas puderam ser vistas em suas variadas cores brilhantes bem antes que a técnica, através de anúncios luminosos ou outros dispositivos, as colocasse sob uma luz desse tipo. Da mesma forma, a sensibilidade individual de um artista em relação ao futuro ultrapassa em muito aquela da dama da sociedade. E, entretanto, a moda está em contato muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas vindouras graças ao fato incomparável que o coletivo feminino possui para o que nos reserva o futuro. Cada estação da moda traz em suas mais novas criações alguns sinais secretos das coisas vindouras. Quem os soubesse ler, saberia antecipadamente não só quais seriam as novas tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e revoluções. — Aqui, sem dúvida, reside o maior encanto da moda, mas também a dificuldade de torná-lo frutífero.
“Pode-se traduzir contos populares russos, sagas familiares suecas e histórias de malandros inglesas e encontraremos sempre a França naquilo que dá o tom à massa, não porque isso será sempre a verdade e, sim, porque isso sempre será moda.” Gutzkow, Briefe aus Paris, Paris, vol. II, Leipzig, 1842, pp. 227-228. Mas o que dá o tom é sempre o que é mais novo, mas apenas onde este emerge entre as coisas mais antigas, mais passadas, mais habituais. Este espetáculo — como o que é totalmente novo se forma a partir daquilo que se passou — é o verdadeiro espetáculo dialético da moda. Somente desta maneira, como apresentação grandiosa desta dialética, podem-se compreender os livros singulares de Grandville, que tiveram um tremendo sucesso na metade do século. Quando ele apresenta um novo leque como Leque de Íris, através do desenho de um arco-íris, quando a Via Láctea é apresentada como uma avenida noturna iluminada por candelabros a gás, quando A Lua Pintada por Ela Mesma repousa não sobre nuvens, mas sobre almofadas de pelúcia da última moda, só então se compreende que justamente neste século, o mais árido e menos imaginativo de todos, toda a energia onírica de uma sociedade se refugiou com dupla veemência no reino nebuloso, silencioso e impenetrável da moda, no qual o entendimento não a pode acompanhar. A moda é a precursora, não, é a eterna suplente do Surrealismo.
Duas gravuras lascivas de Charles Vernier representam, como contrapartida, “um casamento em velocípede” — ida e volta. A roda oferecia uma possibilidade inimaginada para a representação da saia levantada.
Uma perspectiva definitiva sobre a moda oferece-se apenas pela observação de como para cada geração aquela que a precedeu imediatamente parece ser o antiafrodisíaco mais radical que se possa conceber. Com este julgamento, ela não está tão errada como se pode imaginar. Há em cada moda algo de sátira amarga do amor, cada moda contém todas as perversidades sexuais da maneira mais impiedosa possível, cada uma comporta em si resistências secretas contra o amor. Vale a pena confrontar-se com a seguinte observação de Grand-Carteret, não importa quão superficial ela seja: “É pelas cenas da vida amorosa que se percebe, na verdade, aparecer todo o ridículo de certas modas. Estes homens, estas mulheres, não são eles grotescos em gestos, em poses, pelo topete extravagante em si mesmo, pelo chapéu de copa alta, pelo redingote ajustado à cintura, pelo xale, pelos chapéus de abas largas, pelos pequenos borzeguins de tecido?” O confronto das gerações passadas com as modas tem então uma importância muito maior do que se imagina habitualmente. E é um dos aspectos mais importantes do costume histórico de empreender isso sobretudo no teatro. A partir do teatro, a questão do costume penetra profundamente na vida da arte e da poesia, nas quais a moda é, ao mesmo tempo, mantida e superada.
Um problema bem semelhante colocou-se para nós em vista das novas formas de velocidade que trouxeram um ritmo diferente à vida. Isto também, de certa forma, foi testado primeiramente de maneira lúdica. Surgiram as “montanhas-russas”, e os parisienses, qual loucos, apoderaram-se deste divertimento. Por volta de 1810, conforme anota um cronista, uma dama teria desperdiçado 75 francos numa só noite no Parc de Montsouris, onde havia estas atrações aéreas. O novo ritmo da vida anuncia-se por vezes de maneira mais inesperada. É o caso dos cartazes. “Essas imagens de um dia ou de uma hora, desbotadas pelas tempestades, rabiscadas a carvão pelos meninos, queimadas pelo sol e alguma vezes cobertas por outras imagens, antes mesmo que tenham secado, simbolizam — num grau ainda mais intenso que a imprensa — a vida rápida, agitada, multiforme que nos arrasta.” Maurice Talmeyr, La Cité du Sang, Paris, 1901, p. 269. Pois, nos primeiros tempos do cartaz ainda não havia uma lei que regulasse sua colocação, sua proteção ou que também garantisse a proteção contra os cartazes e, assim, era possível acordar uma certa manhã e encontrar a própria janela tapada por um cartaz. Esta enigmática necessidade de sensações foi desde sempre satisfeita pela moda. Porém, somente a reflexão teológica a respeito conseguirá atingir o cerne da questão, pois revela-se aí uma atitude profunda, afetiva, do ser humano frente ao curso da história. Somos levados a associar esta necessidade de sensações a um dos sete pecados capitais e não devemos nos surpreender com o fato de um cronista associar a isso profecias apocalípticas e anunciar um tempo em que os seres humanos se tornarão cegos devido ao excesso de luz elétrica e desvairados por conta do ritmo acelerado das notícias. (Em Jacques Fabien, Paris en Songe, Paris, 1863.)
“Em 4 de outubro de 1856, o Teatro Ginásio representou uma peça intitulada Les Toilettes Tapageuses (As Toaletes Escandalosas). Era a época da crinolina e as mulheres-‘balão’ estavam na moda. A atriz que representava o papel principal, tendo compreendido a intenção satírica do autor, trazia um vestido cuja saia propositalmente exagerada tinha uma amplidão cômica e quase ridícula. No dia seguinte, à primeira apresentação, seu vestido foi pedido como modelo por mais de vinte grandes damas, e oito dias depois a crinolina tinha dobrado de dimensão.” Maxime Du Camp, Paris, vol. VI, p. 192.
“A moda é a procura sempre vã, muitas vezes ridícula, às vezes perigosa, de uma beleza superior ideal.” Du Camp, Paris, vol. VI, p. 194.
A epígrafe de Balzac se presta bem para explicar a temporalidade do inferno. A explicar por que esta temporalidade não quer conhecer a morte, por que a moda zomba da morte, e como a rapidez do trânsito e a velocidade da transmissão de notícias — que faz com que as edições dos jornais se sucedam rapidamente — visam a eliminar toda interrupção, todo fim abrupto, e de que maneira a morte como cesura tem a ver com a linha reta do decurso divino do tempo. — Houve modas na Antigüidade? Ou será que o “poder da moldura”‘ as proibiu?
Poder da moda sobre a cidade de Paris num símbolo. “Comprei um mapa de Paris impresso num lenço.” Gutzkow, Briefe aus Paris, vol. I, Leipzig, 1842, p. 82.
Sobre a discussão médica a respeito da crinolina: pensava-se poder “justificá-la, como à saia-balão, pelo frescor agradável e oportuno que os membros desfrutam por baixo dela … portanto, procura-se saber por parte da medicina se esse louvável frescor já teria provocado resfriados que acarretariam um fim funesto e prematuro do estado que a crinolina originalmente teria a finalidade de dissimular”. F. Th. Vischer, Kritische Gänge, Nova Série, 3° caderno, Stuttgart, 1861, p. 100 (“Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”).
“Uma loucura que a moda francesa da época da Revolução e do Primeiro Império imitasse o mundo grego com roupas talhadas e costuradas à maneira moderna.” Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 99.
Cachecóis de tricô — cache-nez à maneira das dançarinas indianas — usados também por homens, em cores pouco vistosas.
F. Th. Vischer, sobre a moda das mangas largas que caem sobre o pulso nas roupas masculinas: “Não são mais braços, e sim asas rudimentares, asas atrofiadas de pingüins, nadadeiras de peixes, e o movimento desses penduricalhos disformes faz com que o homem, ao andar, pareça estar a agitar os braços de forma amalucada e idiota, a empurrar, a tremelicar, a remar.” Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 111.
Importante crítica política da moda do ponto de vista burguês: “Quando o autor destes pensamentos racionais viu embarcar no trem o primeiro rapaz vestindo uma camisa com o mais moderno colarinho, acreditou piamente estar vendo um padre; pois esta tira branca situa-se na parte inferior do pescoço à mesma altura do conhecido colarinho do clero católico e, além disso, o longo paletó era preto. Quando reconheceu o exemplo mundano da ultima moda, compreendeu o que este colarinho também significa: Oh, para nós, tudo, tudo é igual, até as concordatas! Por que não? Devemos nos entusiasmar com as Luzes como rapazes nobres? Não é a hierarquia mais distinta do que a planura de uma insípida libertação dos espíritos, que ao fim nada mais faz do que azedar o prazer do homem elegante? — Ademais, este colarinho, ao traçar o pescoço numa linha reta e firme, lembra o belo aspecto de um recém-guilhotinado, o que combina bem com o caráter do esnobe.” Alia-se a isso a reação violenta à cor violeta. Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 112.
Sobre a reação de 1850-1860: “Declarar o que se pensa é tido como ridículo, ser severo, como infantil; assim sendo, como a roupa não deveria tornar-se também sem graça, frouxa e, ao mesmo tempo, apertada?” Vischer, p. 117. Assim, ele relaciona a crinolina também ao “imperialismo fortalecido que se estende e se infla como ela e que é a última e mais forte expressão do refluxo de todas as tendências do ano de 1848, fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da justiça e da injustiça da revolução”. Vischer, p. 119.
“No fundo, estas coisas são ao mesmo tempo livres e não-livres. Trata-se de um claro-escuro, onde se entremesclam a necessidade e o humor… Quanto mais fantástica uma forma, tanto mais fortemente a consciência clara e irônica acompanha a vontade servil. E esta consciência nos garante que a loucura não durará, quanto mais crescer, mais próximo estará o tempo em que terá efeito; a consciência tornar-se-á ação e libertar-se-á das amarras.” Vischer, pp. 122-123.
Um dos textos mais importantes para o esclarecimento das possibilidades excêntricas, revolucionárias e surrealistas da moda, além disso, um texto que justamente estabelece a relação do Surrealismo com Grandville etc., é o capítulo sobre a moda no Poète Assassiné, de Apollinaire, Paris, p. 74 et seq.
Como a moda tudo imita: surgiram programas para as roupas sociais, como os que acompanham a mais moderna música sinfônica. Em 1901, em Paris, Victor Prouvé expôs um imponente traje de luxo com o título: “Margens fluviais na primavera”.
Marca da moda de então: sugerir um corpo que jamais conhecerá a nudez total.
“Apenas por volta de 1890 considera-se que a seda já não é o material mais nobre para a roupa de passeio; por isso foi-lhe atribuída uma nova função, antes desconhecida: utilizou-se a seda como forro. A roupa de 1870 a 1890 é extremamente dispendiosa e as mudanças da moda limitam-se por isso, muitas vezes, a modificações prudentes cuja intenção implícita é a de, por assim dizer, criar uma roupa nova através da reforma de uma roupa velha.” 70 Jahre deutsche Mode, 1925, p. 71.
“Ano de 1873 … quando as enormes almofadas presas ao traseiro faziam com que as saias se avolumassem, com seus drapeados em dobras, babados plissados, debruns e fitas, parecendo sair da oficina de um tapeceiro e não do ateliê de um costureiro,” J. W. Samson, Die Frauenmode der Gegenwart, Berlim e Colônia, 1927, pp. 8-9.
Nenhum tipo de imortalização é tão perturbador quanto o do efêmero e das formas da moda que nos reservam os museus de cera. E quem um dia as viu, terá se apaixonado, como André Breton, pela figura feminina do Musée Grévin que ajeita sua liga no canto de um camarote. (Nadja, Paris, 1928, p. 199.)
“Os arranjos florais, feitos de grandes lírios brancos ou de nenúfares, com as longas hastes de junco, que parecem tão graciosos em cada penteado, evocam involuntariamente sílfides e náiades delicadas e suavemente esvoaçantes — assim como a morena fogosa não pode enfeitar-se de maneira mais encantadora do que com uma coroa graciosa entremeada de frutos: cerejas, groselhas e até uvas tecidas com hera e ervas; ou ainda, com as longas fúcsias de veludo vermelho flamejante, cujas folhas de veios rubros, como que respingadas de orvalho, formam uma coroa; à sua disposição igualmente o mais belo cactus speciosus, com longos e alvos filetes; aliás, as flores escolhidas para os arranjos de cabelos são muito grandes — vimos um arranjo assim, de rosas brancas ‘centifólias’, lindamente pitoresco, tecido com grandes amores-perfeitos e galhos de hera, ou melhor, hastes, dando aos ramos nodosos e ascendentes a impressão de que a própria natureza aí tivesse se imiscuído — longos ramos de flores em botão e hastes que, ao menor toque, balouçavam de ambos os lados.” Der Bazar, 3º ano, Berlim, 1857, p. 11 (Veronika von G., “A moda”).
A impressão de antiquado somente pode advir onde de certa maneira se toca no que é mais atual. Se os primórdios da mais moderna arquitetura situam-se nas passagens, seu caráter antiquado tem tanto a dizer ao homem de hoje quanto o caráter antiquado do pai a seu filho.
Formulação minha: “O eterno, de qualquer modo, é, antes, um drapeado de vestido do que uma idéia.” ■ Imagem dialética ■
No fetichismo, o sexo suprime as barreiras entre o mundo orgânico e o inorgânico. Vestuário e jóias são seus aliados. Ele se sente em casa tanto no mundo inerte quanto no da carne. Esta lhe indica o caminho de como se instalar no primeiro. Os cabelos são um território situado entre os dois reinos do sexo. Um outro abre-se-lhe na embriaguez da paixão: as paisagens do corpo. Estas nem mesmo estão mais vivas, mas são ainda acessíveis ao olhar que quanto mais distante tanto mais transfere ao tato ou ao olfato a viagem através destes remos da morte. No sonho, porém, não raro intumescem-se os seios que, como a terra, estão totalmente vestidos de florestas e rochedos, e os olhares imergiram sua vida no fundo de espelhos d’água adormecidos em vales. Estas paisagens percorrem caminhos que acompanham o sexo ao mundo do inorgânico. A própria moda é apenas um outro meio que o atrai ainda mais profundamente ao mundo da matéria.
“Este ano, diz Tristouse, a moda é bizarra e familiar, simples e cheia de fantasia. Todos os materiais dos diferentes reinos da natureza podem agora entrar na composição de uma roupa de mulher. Vi um vestido encantador feito de rolhas de cortiça… Um grande costureiro cogita lançar tailleurs feitos com o dorso de livros velhos, costurados com pêlo de bezerro… As espinhas de peixe são muito usadas em chapéus. Vêem-se freqüentemente deliciosas jovens vestidas como peregrinas de Santiago de Compostela, sendo sua roupa, como convém, constelada de conchas de ‘São Tiago’. A porcelana, o grés e a louça surgiram bruscamente na arte da vestimenta… As plumas decoram agora não apenas os chapéus, mas os sapatos e as luvas, e no próximo ano serão colocadas nas sombrinhas. Fazem-se sapatos de vidro de Veneza e chapéus de cristal de Baccarat… Esqueci-me de lhes dizer que, na última quarta- feira, vi nos boulevards uma velha madame vestida com pequenos espelhos aplicados e colados em um tecido. Ao sol, o efeito era suntuoso. Parecia, digamos, uma mina de ouro a passeio. Mais tarde começou a chover e a dama pareceu uma mina de prata… A moda torna-se prática e não despreza mais nada, enobrece tudo. Ela faz com a matéria o que os românticos fizeram com as palavras.” Guillaume Apollinaire, Le Poète Assassiné, nova edição. Paris, 1927, pp. 75-77.
Um caricaturista representa — por volta de 1867 — a armação da crinolina como uma gaiola na qual uma moça mantém galinhas e um papagaio presos. Cf. Louis Sonolet, Parisienne sous le Second Empire, Paris, 1929, p. 245.
“Os banhos de mar deram o primeiro golpe na solene e embaraçosa crinolina.” Louis Sonolet, La Vie Parisienne sous le Second Empire, Paris, 1929, p. 247.
“Considerávamos a crinolina o símbolo do Segundo Império na França, de sua mentira deslavada, de seu atrevimento leviano e ostentoso. Esse império ruiu…, mas o mundo parisiense ainda teve tempo, antes de sua queda, de salientar na moda feminina um outro aspecto de seu estado de espírito, e a república não se furtou de aceitá-lo e conservá-lo.” F. Th. Vischer, Mode und Cynismus, Stuttgart, 1879, p. 6. A nova moda a que Vischer se refere é explicada da seguinte forma: “O vestido é cortado transversalmente sobre o corpo e estende-se … sobre o abdome.” (p. 6) Mais tarde, ele afirma que as mulheres que assim se vestem “estão nuas, embora vestidas” (p. 8).
Friedell explica em relação à mulher “que a história de seu vestuário demonstra surpreendentemente poucas variações, nada mais sendo do que uma seqüência de algumas nuances que mudam muito rapidamente, mas que também retornam com maior freqüência: o comprimento das caudas, a altura dos penteados, o comprimento das mangas, o volume da saia, o tamanho do decote, a altura da cintura. Mesmo revoluções radicais como o atual corte de cabelos à la garçonne são apenas ‘o eterno retorno do mesmo’.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 88. Desta forma, segundo o autor, a moda feminina se distingue da moda masculina, mais variada e mais determinada.
“De todas as promessas feitas no romance de Cabet, Viagem a Icária, ao menos uma se realizou. De fato, Cabet tentara mostrar no romance, no qual está descrito o seu sistema, que o futuro estado comunista não deveria conter nenhum produto da fantasia nem sofrer qualquer tipo de mudança institucional. Por isso, banira de Icária todas as modas e, em particular, as sacerdotisas da moda, as modistas, assim como os ourives e todas as outras profissões que prestam serviço ao luxo, exigindo que as roupas, os utensílios etc. jamais fossem modificados.” Sigmund Engländer, Geschichte der französischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. II, pp. 165-166.
Em 1828 deu-se a estréia da Muda de Portici. Trata-se de uma música ondulante, uma ópera de drapeados que se elevam e recaem sobre as palavras. Ela devia fazer sucesso na época, quando o drapeado iniciou seu desfile triunfal (primeiramente na moda, como xale turco). Esta revolta, cuja primeira tarefa era garantir a segurança do rei diante dela, aparece como prelúdio daquela de 1830 — uma revolução que provavelmente era apenas um drapeado ocultando um reviramento nos círculos dominantes.
Será que porventura a moda morre — por exemplo, na Rússia — pelo fato de ela não mais conseguir acompanhar o ritmo — pelo menos em certos domínios?
As obras de Grandville são verdadeiras cosmogonias da moda. Uma parte de sua obra poderia ser intitulada “A luta da moda com a natureza”. Comparação entre Hogarth e Grandville. Grandville e Lautréamont. — O que significa a hipertrofia da epígrafe em Grandville?
“A moda é um testemunho, mas um testemunho da história do grande mundo somente, porque em todos os povos … os pobres não têm modas como não têm história, e nem suas idéias, nem seus gostos, nem sua vida mudam em nada. Talvez … a vida pública comece a penetrar nos pequenos lares, mas isso levará tempo.” Eugène Montrue, Le XIX Siècle Vécu par Deux Français, Paris, p. 241.
A seguinte observação permite reconhecer qual o significado da moda como disfarce de determinados desejos da classe dominante. “Os donos do poder sentem uma imensa aversão a grandes transformações. Desejam que tudo fique como está, por mil anos de preferência. Seria preferível que a lua permanecesse imóvel e que o sol não se movesse! Então ninguém sentiria mais fome e teria vontade de jantar. Quando tivessem usado sua arma, os adversários não deveriam mais atirar, seus tiros deveriam ser os últimos.” Bertolt Brecht, “Fünf Schwierigkeiten beim Schreiben der Wahrheit”, Unsere Zeit, VIII, 2-3, abril de 1935, Paris/Basiléia/Praga, p. 32.
Mac-Orlan, que enfatiza as analogias com o Surrealismo encontradas em Grandville, chama a atenção nesse contexto para a obra de Walt Disney, sobre quem afirma: “Ele não contém nenhum germe de mortificação. Nisso ele se afasta do humor de Grandville, que sempre trouxe consigo a presença da morte.” Mac-Orlan, “Grandville le précurseur”, Arts et Métiers Graphiques, 44, 15 de dezembro de 1934, p. 24.
“De duas a três horas aproximadamente é o tempo que dura a apresentação de uma grande coleção. De acordo com o ritmo ao qual os manequins foram acostumados. Ao final, já é uma tradição, surge uma noiva coberta de véus.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode, p. 19, manuscrito particular, Munique, 1935.” Segundo o uso citado, a moda faz uma referência aos costumes, indicando, porém, que não se detém diante deles.
Uma moda atual e seu significado. Na primavera de 1935, aproximadamente, surgiram na moda feminina plaquetas de metal de tamanho médio, perfuradas, usadas sobre a malha ou o casaco, com a inicial do prenome da mulher que os vestia. Assim, a moda tirava proveito da voga dos distintivos usados com maior freqüência pelos homens que se tornaram membros de associações. Por outro lado, entretanto, com isso vem à tona a crescente restrição à esfera particular. O nome, mais precisamente, o prenome das desconhecidas, é trazido a público numa beirada de tecido. 0 fato de que com isso fosse mais fácil “travar conhecimento” com uma desconhecida é de importância secundária.
“Os criadores de moda … freqüentam a sociedade e adquirem desse convívio uma impressão geral; participam da vida artística, assistem a estréias e visitam exposições, lêem os livros de sucesso — em outras palavras, sua inspiração inflama-se com os estímulos oferecidos por uma atualidade movimentada. Todavia, como nenhum presente desliga-se totalmente do passado, também o passado oferece-lhes estímulos… Mas apenas é utilizado aquilo que está em harmonia com o acorde da moda atual. O chapeuzinho caído sobre a testa, que devemos à exposição de Manet, prova simplesmente que possuímos uma nova disposição de entrar em confronto com o fim do século anterior.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode, Munique, 1935, p. 13.
Sobre a batalha publicitária entre a casa de alta costura e os jornalistas de moda. “Facilita sua tarefa (dos jornalistas) o fato de nossos desejos coincidirem.” “Dificulta, porém, o fato de que nenhum jornal ou revista queira considerar como novo aquilo que um outro jornal ou revista já tenha publicado. Somente os fotógrafos e desenhistas, ao valorizar diferentes aspectos de uma roupa através da pose e da iluminação, podem livrar-nos deste dilema. As mais importantes revistas … possuem estúdios fotográficos próprios, equipados com todos os refinamentos técnicos e artísticos, comandados por fotógrafos muito talentosos e especializados… A todos, porém, é vedada a publicação destes documentos antes do momento de a cliente fazer sua escolha, portanto, normalmente de quatro a seis semanas antes da estréia. O motivo desta medida? — Também a mulher não quer privar-se do efeito-surpresa ao apresentar-se à sociedade vestindo estas novas roupas.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode, pp. 21-22 (manuscrito particular, Munique, 1935).
Segundo o sumário das seis primeiras edições, encontra-se na revista La Dernière Mode, Paris, 1874, editada por Stéphane Mallarmé, “um encantador esboço esportivo, resultado de uma conversa com o maravilhoso naturalista Toussenel”. Reprodução deste resumo em Minotaure, II, 6, inverno de 1935, p. 27.
Uma teoria biológica da moda, a partir da transformação da zebra em cavalo, descrita na edição popular do Brehm, p. 771, transformação “que se estendeu por milhões de anos… A tendência inerente aos cavalos evoluiu dando ensejo à criação de um animal extraordinário para o trote e a corrida… Os animais mais próximos de sua origem na atualidade exibem um desenho de listras bastante chamativo. Um fato curioso é que as listras exteriores da zebra manifestam uma certa concordância com a disposição das costelas e das vértebras no lado interno. Da mesma forma, pode-se já determinar pelo lado externo a posição das patas superiores dianteiras e traseiras através do desenho singular das listras nestas partes. O que significa este desenho listrado? Certamente não possui uma função protetora… As listras são mantidas, apesar de sua ‘inutilidade funcional’, e — por isso devem ter um significado especial. Não estaríamos aqui diante de estímulos provocados exteriormente em prol de tendências interiores que devem tornar-se particularmente ativas na época do acasalamento? Como é que podemos transferir esta teoria para o nosso tema? — Algo basicamente importante, segundo me parece. — A moda ‘absurda’, desde que a humanidade passou da nudez à roupa, toma emprestado o papel da natureza sábia… Pois ao determinar em sua transformação … uma permanente revisão de todas as partes da silhueta, a moda obriga a mulher a preocupar-se permanentemente com a beleza.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode, Munique, 1935, pp. 7-8.
Na exposição universal de Paris de 1900 havia um Palácio do Vestuário, no qual bonecas de cera colocadas em cenários montados exibiam os trajes típicos de diferentes povos e as modas de diferentes épocas.
“Nós observamos ao nosso redor … os efeitos de confusão e dissipação que nos inflige o movimento desordenado do mundo moderno. As artes não assumem compromisso com a pressa. Nossos ideais duram dez anos! A absurda superstição do novo — que infelizmente substituiu a antiga e excelente crença no julgamento da posteridade — atribui ao esforço do trabalho o fim mais ilusório e o utiliza para criar o que há de mais perecível, o que é perecível por essência: a sensação do novo… Ora, tudo o que se vê aqui foi experimentado, seduziu e encantou durante séculos, e toda essa glória nos diz com serenidade: ‘EU NÃO SOU NADA DE NOVO. O Tempo pode mesmo estragar a matéria na qual existo: mas enquanto ele não me destruir, não poderá fazê-lo a indiferença ou o desprezo de algum homem digno desse nome’.” Paul Valéry, “Préambule” (prefácio ao catálogo da exposição “L’art italien de Cimabue à Tiepolo”, Petit Palais, 1935, pp. IV-VII.)
“O triunfo da burguesia modifica a roupa feminina. A roupa e o penteado se desenvolvem em largura … os ombros se alargam com mangas amplas, e … não se tardará a recolocar em uso as antigas armações e a se fazer saias bufantes. Assim vestidas, as mulheres pareciam destinadas à vida sedentária, à vida familiar, porque sua maneira de se vestir não tinha nada que desse a idéia de movimento ou que parecesse favorecê-lo. Aconteceu o contrário com a chegada do Segundo Império; os laços familiares se relaxaram; um luxo sempre crescente corrompeu os costumes a ponto de tornar-se difícil distinguir, unicamente pelo aspecto da roupa, uma mulher honesta de uma cortesã. Então, a toalete feminina se transformou da cabeça aos pés… As armações foram jogadas para trás e se reuniram num traseiro acentuado. Desenvolveu-se tudo o que podia impedir as mulheres de permanecer sentadas; afastou-se tudo o que pudesse dificultar seu caminhar. Elas se pentearam e se vestiram como que para serem vistas de perfil. Ora, o perfil é a silhueta de uma pessoa … que passa, que vai nos escapar. A toalete tornou-se uma imagem do movimento rápido que leva o mundo.” Charles Blanc, Considérations sur le Vêtement des Femmes (Institut de France, 25 de outubro de 1872), pp. 12-13.
“Para entender a essência da moda atual, é preciso recorrer não só a motivos de natureza individual, tais como: o desejo de mudança, o senso de beleza, a paixão por se vestir, o ímpeto de se adaptar aos padrões. Sem dúvida, tais motivações interferiram em diversas épocas … na criação das roupas… Entretanto, a moda, tal como se entende hoje, não tem motivações individuais, mas tão-somente uma motivação social; no momento em que se entende isso, chega-se à compreensão de toda a sua essência. Trata-se do empenho das classes altas de se distinguirem das mais baixas, ou melhor, das classes médias… A moda é a barreira — erigida sem cessar e sempre de novo demolida — através da qual o mundo elegante procura isolar-se das regiões medianas da sociedade. Trata-se da procura desenfreada da vaidade social, na qual se repete sem cessar um mesmo fenômeno: o esforço de um grupo para estabelecer a liderança, ainda que seja mínima a distância que o separe dos perseguidores, e o esforço destes de neutralizar essa vantagem através da adoção imediata da nova moda. Explicam-se assim os traços característicos da moda atual. Primeiramente seu surgimento nas camadas superiores da sociedade e sua imitação nas camadas médias. A moda se move de cima para baixo, não de baixo para cima… Uma tentativa das classes médias de lançar uma moda nova jamais … seria bem-sucedida; embora nada fosse mais desejável para as camadas mais altas do que a adotação de uma moda própria por parte daquelas classes. ([Nota:] Isto não as impede, contudo, de procurar novos padrões na cloaca do meio-mundo parisiense e lançar modas que carregam claramente na testa o carimbo de sua origem licenciosa, como Fr. Vischer demonstrou de maneira convincente em seu ensaio sobre a moda, … muito criticado, porém, na minha opinião, altamente meritório.) Daí vem a mudança contínua da moda. Tão logo as classes médias adorem a moda recém-lançada, esta perde seu valor para as classes superiores… Por isso, a novidade é a condição imprescindível da moda… A sua duração é inversamente proporcional à rapidez de sua difusão; seu caráter efêmero acentuou-se em nossos tempos na mesma medida em que se multiplicaram os meios para sua difusão graças ao aperfeiçoamento dos nossos meios de comunicação… E, finalmente, a referida motivação social explica também o terceiro traço característico de nossa moda atual: sua … tirania. A moda contém o critério exterior segundo o qual uma pessoa … ‘faz parte da sociedade’. Quem não quer abrir mão disso é obrigado a segui-la, mesmo que rejeite totalmente uma nova tendência dela… Com isso é decretada também a sentença da moda… Caso as camadas sociais, que são fracas e tolas o suficiente para imitá-la, conseguissem atingir o sentimento de sua dignidade e auto-estima…, chegar-se-ia ao fim da moda, e a beleza poderia, por sua vez, recuperar o lugar que ocupou em todos os povos que não sentiram a necessidade de acentuar as diferenças de classes através do vestuário, ou, onde isso ocorreu, tenham sido bastante razoáveis para respeitá-las.” Rudolph von Jhering, Der Zweck im Recht, vol. II, Leipzig, 1883, pp. 234-238.
Sobre a época de Napoleão III: “Ganhar dinheiro torna-se objeto de um ardor quase sensual, e o amor, uma questão de dinheiro. À época do Romantismo francês, o ideal erótico gravitava em torno da grisette; agora é a vez da lorette que se vende… Ocorreu na moda uma nuance marota: as senhoras usam colarinhos e gravatas, paletós, saias cortadas à semelhança de fraques … túnicas de zuavo, dólmãs, bengalas, monóculos. Dá-se preferência a cores fortemente contrastantes e berrantes, também para os penteados: cabelos vermelho-fogo são muito apreciados… O tipo mais característico da moda é o da grande dama que faz o papel da cocota.” Egon Frieden, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 203. O “caráter plebeu” desta moda apresenta-se ao autor como “invasão … vinda de baixo”, por parte dos nouveaux riches.
“Os tecidos de algodão substituem os brocados, os cetins … e logo, graças … ao espírito revolucionário, o vestuário das classes inferiores torna-se mais conveniente e mais agradável aos olhos.” Édouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de Industrie Française, Paris, 1844, p. 64 (refere-se à Revolução de 1789).
Um grupo que, observando-se mais atentamente, é composto apenas de peças de vestuário, ao lado de algumas cabeças de bonecas. Legenda: “Bonecas nas cadeiras, manequins carregando falsos colarinhos, falsos cabelos, falsos atrativos … eis o mundo de Longchamp!» Cabinet des Estampes.
“Se, em 1829, entrássemos nas lojas de Delisle, encontraríamos uma profusão de tecidos diversos: japoneses, alhambras, orientais rústicos, stokoline, meótida, silénia, zinzoline, bagazinkoff chinês… Com a revolução de 1830…, o cetro da moda atravessou o Sena, e a Chaussée d’Antin substituiu o nobre faubourg.” Paul D’Ariste, La Vie et le Monde du Boulevard (1830-1870), Paris, 1930, p. 227.
“O burguês abastado, amigo da ordem, paga seus fornecedores ao menos uma vez por ano: mas o homem da moda, o chamado ‘leão’, paga seu alfaiate a cada dez anos, quando paga.” Acht Tage in Paris, Paris, Julho de 1855, p. 125.
“Fui eu que inventei os tiques. Atualmente o lornhão os substituiu… O tique consistia em fechar o olho com um certo movimento de boca e um certo movimento do casaco… A figura de um homem elegante deve ter sempre … alguma coisa de convulsivo e de crispado. Pode-se atribuir essas agitações faciais a um satanismo natural, à febre das paixões, enfim, a qualquer coisa que se queira.” Paris-Viveur, pelos autores das memórias de Bilboquet [Taxile Delord], Paris, 1854, pp. 25-26.
“A moda de se vestir em Londres atingiu apenas os homens; a moda feminina, mesmo para as estrangeiras, sempre foi vestir-se em Paris.” Charles Seignobos, Histoire Sincère de de la Nation Française, Paris, 1932, p. 402.
Marcelin, o fundador do periódico La Vie Parisienne, descreveu “as quatro eras da crinolina”.
A crinolina “é o símbolo inequívoco da reação por parte do imperialismo que se estende e se infla…, fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da justiça e da injustiça da revolução… Ela parecia um capricho do momento e se instalou por todo um período, como o 2 de dezembro.” F. Th. Vischer, cit. em Eduard Fuchs, Die Karikatur der europäischen Völker, Munique, vol. II, p. 156.
No início dos anos quarenta, localiza-se um centro das modistas na Rue Vivienne.
Simmel indica que “a invenção da moda na época atual integra-se cada vez mais à organização objetiva do trabalho da economia”. “Não surge em algum lugar um artigo que se torna moda: ao contrário, criam-se artigos com a finalidade de tornar-se moda.” A oposição enfatizada nesta última frase poderia dizer respeito em certa medida àquela existente entre a era burguesa e a era feudal. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, P. 34 (“A moda”).
Simmel explica “porque as mulheres em geral estão fortemente ligadas à moda. Pois através da fraqueza da posição social a que as mulheres foram condenadas na maior parte da história origina-se sua relação estreita com tudo que seja ‘costume’.” Georg Simmel. Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 47 (“A moda”).
A seguinte análise da moda esclarece igualmente o significado das viagens que se tornaram moda na burguesia durante a segunda metade do século: “A ênfase dos atrativos desloca-se de maneira crescente de seu centro substancial para seu início e seu fim. Isto começa com os sintomas mais insignificantes, como … a substituição do charuto pelo cigarro, manifesta-se pela mania das viagens que provoca, tanto quanto possível, uma vibração da vida em vários períodos curtos do ano, com forte ênfase sobre a partida e a chegada. O ritmo … da vida moderna traduz não só o desejo pela mudança rápida dos conteúdos qualitativos da vida, mas principalmente a força do atrativo formal da fronteira, do início e do fim.” Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 41 (“A moda”).
Simmel afirma “porque as modas são sempre modas de classe, que as modas da classe superior distinguem-se daquelas da classe inferior e são abandonadas no momento em que esta última começa a se apropriar delas”. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 32 (“A moda”).
A mudança rápida da moda faz com “que as modas não possam mais ser tão dispendiosas … quanto o foram em épocas anteriores… Surge aqui um círculo peculiar: quanto mais rápida é a mudança da moda, tanto mais baratas as coisas precisam tornar-se; quanto mais baratas se tornam, mais incitam os consumidores e obrigam os produtores a mais rápidas mudanças da moda.” Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, pp. 58-59 (“A moda”).
Fuchs em relação às observações de Jhering sobre a moda: “É necessário … repetir que os interesses da divisão de classes são apenas uma das causas da freqüente mudança da moda e que a segunda — a freqüente mudança da moda como conseqüência do modo de produção capitalista privado, que sempre precisa aumentar suas possibilidades de venda no interesse de sua margem de lucro — deve ser levada em conta da mesma maneira. Esta causa escapou totalmente a Jhering. E também a terceira causa não foi observada por ele: os objetivos de estímulo erótico da moda, que são cumpridos da melhor maneira quando os atrativos eróticos do homem ou da mulher chamam a atenção de modo sempre diferente … Fr. Vischer, que escreveu sobre a … moda vinte anos antes de Jhering, ainda não reconhecera as tendências da divisão de classes na formação da moda…, em vez disso, porém, teve consciência dos problemas eróticos do vestuário.” Eduard Fuchs, Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart: Das bürgerliche Zeitalter, volume complementar, Munique, pp. 53-54.
Eduard Fuchs (Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart: Das bürgerliche Zeitalter, volume complementar, Munique, pp. 56-57) cita — sem referências uma observação de F. Th. Vischer, que considera a cor cinzenta da roupa masculina simbólica para o caráter “totalmente blasé” do mundo masculino e de sua insipidez e inércia.
“A idéia tola e funesta de opor o conhecimento aprofundado dos meios de execução— trabalho sensatamente mantido … ao ato impulsivo da sensibilidade singular é um dos traços mais certos e mais deploráveis da leviandade e da fraqueza de caráter que marcaram a era romântica. A preocupação com a duração das obras já se enfraquecia e cedia, nos espíritos, ao desejo de surpreender: a arte se viu condenada a um regime de rupturas sucessivas. Nasceu um automatismo da ousadia. Esta tornou-se imperativa como fora a tradição. Enfim, a Moda, que é a mudança em alta freqüência do gosto de uma clientela substituiu sua mobilidade essencial às lentas formações dos estilos, das escolas, das grandes celebridades. Mas dizer que a Moda se encarrega do destino das Belas Artes é o bastante para dizer que o comércio aí se intromete.” Paul Valéry, Pièces sur l’Art, Paris, pp. 18-488 (“Sobre Corot”).
“A grande e capital revolução foi o tecido de algodão fabricado na Índia. Foi preciso o esforço combinado da ciência e da arte para forçar um tecido rebelde e ingrato, o algodão, a sofrer cada dia tantas transformações brilhantes, e depois de assim transformado … chegar ao alcance dos pobres. Toda mulher já teve uma vez um vestido azul ou preto que guardava por dez anos sem lavar, com medo de que ele se desfizesse em trapos. Hoje, seu marido, operário pobre, ao preço de um dia de trabalho, cobre-a com uma roupa estampada de flores. Toda essa multidão de mulheres que apresenta em nossos passeios públicos uma estonteante miríade de cores, estava outrora de luto.” Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, pp. 80-81.
“Pode-se calcular, em Harmonia, que as mudanças da moda … e a confecção imperfeita causariam uma perda anual de 500 francos por indivíduo, porque o mais pobre dos harmonianos tem um guarda-roupa preparado para toda estação… A Harmonia … quer no vestuário e no mobiliário a variedade infinita, mas o menor consumo… A excelência dos produtos da indústria societária … eleva cada objeto manufaturado à extrema perfeição, de modo que o mobiliário e o vestuário tornam-se eternos.” Fourier, cit. em Armand Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. II, pp. 196 e 198.
“Este gosto da modernidade vai tão longe que Baudelaire, como Balzac, o estende aos mais fúteis detalhes da moda e do vestuário. Ambos os estudam em si mesmos e elaboram com eles questões morais e filosóficas, porque eles representam a realidade imediata no aspecto mais agudo, mais agressivo, mais irritante, talvez, mas também mais vivido.” [Nota]: “Além disso, para Baudelaire, essas preocupações se voltam para sua importante teoria do Dandismo da qual, justamente, ele fez uma questão de moral e de modernidade.” Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française XXV: 284, 1 de maio de 1937, p. 692.
“Grande acontecimento! As belas damas experimentam um dia a necessidade de inflar o traseiro. Depressa, aos milhares, fábricas de enchimentos! … Mas o que é uma simples guarnição sobre ilustres cóccix? Uma bugiganga, na verdade… ‘Abaixo os traseiros! Viva as crinolinas!’ E, de repente, o universo civilizado se transforma em manufatura de sinos ambulantes. Por que o sexo encantador esqueceu os badalos dos sininhos? … Ocupar um lugar não é tudo, é preciso fazer barulho lá embaixo… O quartier Breda e o faubourg Saint-Germain são rivais em piedade, tanto quanto em engomados e em coques. Que sigam o exemplo da Igreja! Nas vésperas, o órgão e o clero recitam alternadamente um versículo dos salmos. As belas damas e seus sinos poderiam seguir esse exemplo: palavras e tilintes retomando, cada um em sua vez, a seqüência da conversa.” Blanqui, Critique Sociale, Paris, 1885, vol. I, pp. 83-84 (“O luxo”). — “O luxo” é uma polêmica dirigida contra a indústria de luxo.
Cada geração vivencia a moda da geração imediatamente anterior como o mais radical dos antiafrodisíacos que se pode imaginar. Com esse veredicto, ela não comete um erro tão grande como se poderia supor. Em cada moda há um quê de amarga sátira ao amor; em cada uma delas delineiam-se perversões da maneira mais impiedosa. Toda moda está em conflito com o orgânico. Cada uma delas tenta acasalar o corpo vivo com o mundo inorgânico. A moda defende os direitos do cadáver sobre o ser vivo. O fetichismo que subjaz ao sex appeal do inorgânico é seu nervo vital.
Nascimento e morte — o primeiro, pelas circunstâncias naturais; a segunda, por circunstâncias sociais — limitam consideravelmente a margem de liberdade da moda, quando se tornam atuais. Este estado de coisas é realçado por uma dupla circunstância. A primeira refere-se ao nascimento e mostra como a recriação natural da vida é “superada” pela novidade no domínio da moda. A segunda refere-se à morte. No que concerne à morte, ela não aparece menos “superada” na moda, quando esta liberta o sex appeal do inorgânico.
A descrição detalhada da beleza feminina, apreciada pela poesia barroca, que exalta cada um de seus pormenores através da comparação, associa-se secretamente à imagem do cadáver. Tal desmembramento da beleza feminina em suas partes gloriosas assemelha-se a uma dissecação, e as mais apreciadas comparações das partes do corpo com o alabastro, com a neve, com pedras preciosas ou outras matérias, sobretudo inorgânicas, reforçam esse sentimento. (Tais desmembramentos são encontrados também em Baudelaire, “Le beau navire”.
Lipps sobre a cor escura do vestuário masculino: ele afirma “que em nossa timidez geral em relação a cores vivas, sobretudo no vestuário masculino, expressa-se de forma mais evidente uma particularidade freqüentemente observada de nosso caráter. Toda teoria é cinzenta; porém, a áurea árvore da vida é verde — não só verde, mas também vermelha, amarela, azul. Nossa preferência pelos diferentes tons do cinza … ao negro demonstra claramente nossa maneira de ser, social e em geral, que privilegia acima de tudo a teoria da formação do intelecto, que não é mais capaz de simplesmente fruir o belo, e sim … de querer submetê-lo antes de tudo à crítica, razão pela qual … nossa vida espiritual torna-se sempre mais fria e incolor.” Theodor Lipps, “Über die Symbolik unserer Kleidung”, Nord und Süd, XXXIII. Breslau e Berlim, 1885, p. 352.
As modas são um medicamento que deve compensar na escala coletiva os efeitos nefastos do esquecimento. Quanto mais efêmera é uma época, tanto mais ela se orienta na moda Cf. [K 2a, 3].
Focillon sobre a fantasmagoria da moda: “Na maioria das vezes … ela cria … híbridos, impõe ao ser humano o perfil do animal… A moda inventa assim uma humanidade artificial que não é o cenário passivo do meio formal, mas o próprio meio formal. Essa humanidade — às vezes heráldica, outras vezes teatral, ou feérica, ou arquitetural — tem … como regra … a poética do ornamento, e o que ela chama de linha … talvez não seja senão um sutil compromisso entre um certo cânone fisiológico … e a fantasia das figuras.” Henri Focillon, Vie des Formes, Paris, 1934, p. 41.
Dificilmente encontra-se uma peça de vestuário que pode expressar tantas tendências eróticas divergentes e fornecer tantas possibilidades para dissimulá-las quanto o chapéu feminino. Enquanto o significado da cobertura de cabeça masculina seguia estritamente, em sua esfera — a política —, alguns poucos modelos rígidos, as nuances do significado erótico do chapéu feminino são incalculáveis. Não são as diferentes possibilidades de sugerir simbolicamente os órgãos sexuais as que mais podem interessar aqui. Mais surpreendente pode ser a explicação que o chapéu fornece sobre a vestimenta. Helen Grund formulou a hipótese engenhosa de que o tipo de chapéu que é usado junto com a crinolina representa na verdade um modo de manejo desta última para os homens. As largas abas do chapéu são dobradas — indicando, desta maneira, como a crinolina deve ser dobrada para facilitar ao homem o acesso sexual à mulher.
A posição horizontal do corpo proporcionava as maiores vantagens para as fêmeas da espécie homo sapiens, a julgar por suas representantes mais antigas. Ela lhes facilitou a gravidez, como se pode deduzir ao considerar as cintas e bandagens as quais as mulheres grávidas de hoje costumam recorrer. Partindo dessa constatação, poder-se-ia ousar perguntar: o andar na posição ereta em geral não terá surgido antes nos machos do que nas fêmeas? Nesse caso, então, a fêmea teria sido outrora a acompanhante quadrúpede do homem, como hoje o cão ou o gato. A partir desta hipótese é apenas um passo para se chegar à suposição de que o encontro frontal dos parceiros, por ocasião do acasalamento, teria sido originalmente uma espécie de perversão, e talvez tivesse sido precisamente esta “aberração” que fez com que a fêmea aprendesse a andar na posição ereta. (Cf. nota no ensaio “Eduard Fuchs, o colecionador e historiador”.)
“Seria interessante pesquisar quais os efeitos que a disposição à postura ereta pode ter sobre a estrutura e as funções do resto do corpo. Não temos dúvida de que uma correlação estreita abrange todas as partes da estrutura orgânica; porém, no estado atual de nossa ciência, devemos afirmar que as influências extraordinárias que atribuímos com isso à postura ereta não podem ser completamente comprovadas… Em relação à estrutura e à função dos órgãos internos não é possível comprovar nenhum efeito retroativo significativo, e as suposições de Herder, segundo as quais todas as forças agiriam de forma diferente na posição ereta, e o sangue estimularia os nervos de maneira diferente, estão desprovidas de qualquer fundamento, sobretudo quando se trata de explicar diferenças consideráveis e manifestamente importantes para o modo de vida.” Hermann Lotze, Mikrokosmos, vol. II, Leipzig, 1858, p. 90.
Extraído de um prospecto para um cosmético característico da moda do Segundo Império. O fabricante recomenda “um cosmético … por meio do qual as damas podem, se quiserem, dar a sua tez o reflexo do tafetá rosa”. Cit. em Ludwig Börne, Gesammelte Schriften, Hamburgo e Frankfurt a. M., 1862, p. 282 (“A exposição industrial no Louvre”).