Sob forma de poeira, a chuva consegue vingar-se das passagens. — Sob Luís Filipe, a poeira se depositava até mesmo sobre as revoluções. Quando o jovem Duque de Orléans “desposou a princesa de Mecklenburg, celebrou-se uma grande festa naquele famoso salão de baile, em que se manifestaram os primeiros sintomas da revolução [de 1830]. Quando vieram arrumar o salão para a festa dos jovens nubentes, encontraram-no como a revolução o deixara. Notavam-se ainda no chão os vestígios do banquete militar; viam-se tocos de vela, copos quebrados, rolhas de champanhe; viam-se as insígnias pisoteadas dos gardes du corps e as fitas de gala dos oficiais do regimento de Flandres.” Karl Gutzkow, Briefe aus Paris, Leipzig, 1842, vol. II, p. 87. Uma cena histórica torna-se componente de um panóptico. ■ Diorama ■ Poeira e perspectiva sufocada ■
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arquivo temático D, folio 1, pg 3
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“Ele explica que a Rue Grange-Batelière é particularmente poeirenta, que nos sujamos terrivelmente na Rue Réaumur.” Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926, p. 88.
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A pelúcia como depósito de poeira. Mistério da poeira que brinca ao sol. A poeira e a “sala de visitas”. “Logo após 1840, surgem os móveis franceses totalmente estofados, e com eles o estilo de tapeçarias atinge seu domínio absoluto.” Max von Boehn, Die Mode im XIX Jahrhundert, vol. II, Munique, 1907, p. 131. Outras formas de levantar a poeira: a cauda. “Recentemente retornou também a verdadeira cauda; agora, porém, é erguida e segurada, durante o andar, com o auxílio de um gancho e um cordão, para evitar a inconveniência de varrer a rua.” Friedrich Theodor Vischer, Mode und Zynismus, Stuttgart, 1879, P. 12. ■ Poeira e perspectiva sufocada ■
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A Galeria do Termômetro e a Galeria do Barômetro na Passage de l’Opéra.
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Um folhetinista dos anos quarenta, ao escrever sobre o tempo atmosférico de Paris, constatou que Corneille só falou das estrelas uma única vez (em Le Cid) e que Racine escreveu apenas uma vez sobre o “sol”. Ele afirma que as estrelas e as flores teriam sido descobertas para a literatura primeiramente na América, por Chateaubriand, e só depois foram transpostas a Paris. (Segundo Victor Méry, “Le climat de Paris”, em Le Diable à Paris, vol. I, Paris, 1845, p. 245.)
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A respeito de algumas imagens lascivas: “Não é mais o leque, mas o guarda-chuva, invenção digna da época do rei como guarda nacional. O guarda-chuva propício às fantasias amorosas. O guarda-chuva servindo de abrigo discreto. Cobertura, teto da ilha de Robinson.” John Grand-Carteret, Le Décolleté et le Retroussé. Paris, 1910, vol. II, p. 56.
[D 1a, 7]
“Só aqui”, disse Chirico, “é possível pintar. As ruas possuem tantos tons de cinza…”
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[D 1a, 9]
O tempo de chuva na cidade, com toda sua astuta sedução, capaz de nos fazer voltar em sonhos aos primeiros tempos da infância, só é compreensível à criança de uma cidade grande. A chuva faz tudo parecer mais oculto, torna os dias não só cinzentos, mas também uniformes. De manhã à noite pode-se fazer a mesma coisa — jogar xadrez, ler, discutir —. enquanto o sol, de maneira bem diferente, matiza as horas e não faz bem ao sonhador. Por isso, este precisa evitar com astúcia os dias radiantes e, principalmente, levantar-se muito cedo, como os grandes ociosos, os passeadores do porto e os vagabundos: ele precisa estar a postos mais cedo que o sol. Ferdinand Hardekopf, o único verdadeiro decadente que a Alemanha produziu, indicou ao sonhador — na “Ode vom seligen Morgen” (Ode da manhã bem-aventurada), com a qual presenteou Emmy Hennings há muitos anos — as melhores medidas de precaução para dias ensolarados.