Para caracterizar a relação de Claire Démar com James de Laurent, é preciso citar várias passagens de sua obra Ma Loi d’Avenir. A primeira encontra-se no prefácio escrito por Suzanne, que trata inicialmente da recusa de Claire Démar em colaborar com La Tribune des Femmes: “Até o 17º número, ela havia repetidamente recusado, dizendo que o tom desse jornal era demasiadamente moderado… Quando esse número saiu, havia uma passagem num artigo meu que, por sua forma, por sua moderação, exasperou Claire. — Ela me escreveu dizendo que responderia. — Mas … sua resposta tornou-se uma brochura. Ela decidiu então publicá-la separadamente, fora do jornal… Aqui está, aliás, o fragmento do artigo, do qual Claire citou apenas algumas linhas: ‘Ha ainda pelo mundo um homem que interpreta … o cristianismo … de maneira … favorável a nosso sexo: é o Sr. James de Laurence, autor de uma brochura intitulada Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus… O autor não é saint-simoniano, … ele concebe a hereditariedade pelo lado das mães. Certamente esse sistema … é muito vantajoso para nós; tenho fé que uma parte entrará … na religião do futuro, e que o princípio da maternidade tornar-se-á uma das leis fundamentais do Estado.'”— (Claire Démar, Ma Loi d’Avenir: Ouvrage Posthume Publié par Suzanne, Paris, 1834, pp. 14-16). No texto de seu próprio manifesto, Claire Démar defende a causa de Laurence e refuta as objeções do jornal La Tribune des Femmes contra ele, que o recrimina por defender uma “liberdade moral … sem regras nem limites”, que “nos levaria a uma grosseira e repugnante confusão”. A crítica incide sobre o fato de Laurence fazer do mistério o princípio nestes assuntos, um mistério em virtude do qual deveríamos prestar contas somente a um Deus místico. O jornal La Tribune des Femmes, por sua vez, afirma: “A sociedade do futuro repousará não sobre o mistério, mas sobre a confiança, porque o mistério prolongaria ainda mais a exploração de nosso sexo.” Claire Démar retruca: “Certamente, Senhoras, se eu confundisse, como vocês, a confiança com a publicidade; se proclamasse, como vocês, que o mistério prolonga a exploração de nosso sexo, eu deveria saudar com minhas bênçãos os tempos em que vivemos.” Ela descreve então a brutalidade dos costumes da época: “Diante do prefeito e diante do padre…, um homem e uma mulher arrastaram um longo séquito de testemunhas… Eis … a união dita legítima, a que permite que uma mulher diga sem enrubescer: tal dia, tal hora, receberei um homem na minha CAMA de MULHER!!!… A união, contraída perante a multidão, arrasta-se lentamente através de uma orgia de vinhos e danças até o leito nupcial, transformado em leito de devassidão e prostituição, e permite à imaginação delirante dos convidados seguir … todos os detalhes … do drama lúbrico representado com o nome de noite de núpcias! Se o costume que assim mostra a recém-casada … aos olhos audaciosos…, que a prostitui para os desejos desenfreados…, não lhes parece uma horrível exploração … não sei mais o que dizer.” (Op. cit., pp. 29-30).
[p_03]
arquivo temático p, folio 3
[p 3, 2]
Data de publicação do primeiro número de Charivari: 1 dez. 1832.
[p 3a, 1]
Confissão lésbica de uma saint-simoniana: “Eu começava a gostar tanto do meu próximo que era mulher quanto do meu próximo que era homem…; deixava ao homem sua força física e seu tipo de inteligência para elevar ao lado dele, de maneira igual, a beleza corporal da mulher e suas faculdades espirituais particulares.” Sem indicação de fonte ou autoria, em Firmin Maillard, La Légende de la Femme Émancipée, Paris, p. 65.
[p 3a, 2]
A imperatriz Eugénie como sucessora da Mãe:
Basta querer, sagrada e abençoada,
O gênero humano com entusiasmo,
Saudará em EUGÉNIE,
O arcanjo que o guia ao porto!!!
Jean Journet, L’Ère de la Femme, ou Le Règne de l’Harmonie Universelle, Paris, janeiro de 1857, p. 8.
[p 3a, 3]
Máximas de James de Laurence, em Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée avec la Philosophie, Paris, junho de 1831: “É mais razoável crer que todos os filhos são feitos por Deus, que dizer que todos os casados são unidos por Deus” (p. 14). A partir do episódio da adúltera que fica sem castigo diante de Jesus, Laurence chega à conclusão de que este não era favorável ao casamento: “Ele a perdoou porque considerava o adultério uma conseqüência natural do casamento, e ele o teria admitido se o encontrasse entre seus discípulos… Enquanto existir casamento, a mulher adúltera será uma criminosa, porque ela dá ao seu marido a carga dos filhos de outro. Jesus não podia tolerar uma tal injustiça; seu sistema é conseqüente: ele queria que os filhos pertencessem à mãe. Daí estas palavras admiráveis: ‘A ninguém na terra chameis ‘Pai’ pois um só é o vosso Pai, o celeste.'” (p. 13). “Os filhos de Deus, descendentes de uma só mulher, formam uma só família… A religião dos judeus foi a da paternidade, através da qual os patriarcas exerceram sua autoridade doméstica. A religião de Jesus é a da maternidade, cujo símbolo é uma mãe trazendo uma criança nos braços; e esta mãe é chamada ‘a Virgem’, porque mesmo cumprindo os deveres de uma mãe, ela não havia renunciado à independência de uma virgem.” (pp. 13-14)
[p 3a, 4]
“Algumas seitas, nos primeiros séculos da Igreja, parecem ter adivinhado as intenções de Jesus: os Simonianos, os Nicolaítas, os Carpocratianos, os Basilidianos, os Marcionitas e outros … não só aboliram o casamento, como também estabeleceram a comunidade das mulheres.” James de Laurence, Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée avec La Philosophie, Paris, junho de 1831, p. 8.