“O triunfo da burguesia modifica a roupa feminina. A roupa e o penteado se desenvolvem em largura … os ombros se alargam com mangas amplas, e … não se tardará a recolocar em uso as antigas armações e a se fazer saias bufantes. Assim vestidas, as mulheres pareciam destinadas à vida sedentária, à vida familiar, porque sua maneira de se vestir não tinha nada que desse a idéia de movimento ou que parecesse favorecê-lo. Aconteceu o contrário com a chegada do Segundo Império; os laços familiares se relaxaram; um luxo sempre crescente corrompeu os costumes a ponto de tornar-se difícil distinguir, unicamente pelo aspecto da roupa, uma mulher honesta de uma cortesã. Então, a toalete feminina se transformou da cabeça aos pés… As armações foram jogadas para trás e se reuniram num traseiro acentuado. Desenvolveu-se tudo o que podia impedir as mulheres de permanecer sentadas; afastou-se tudo o que pudesse dificultar seu caminhar. Elas se pentearam e se vestiram como que para serem vistas de perfil. Ora, o perfil é a silhueta de uma pessoa … que passa, que vai nos escapar. A toalete tornou-se uma imagem do movimento rápido que leva o mundo.” Charles Blanc, Considérations sur le Vêtement des Femmes (Institut de France, 25 de outubro de 1872), pp. 12-13.
II o flâneur e a massa
[cf. GS I/2, 547-568]
[D 4, 3]
A propósito de Chodruc-Duclos: “Era talvez o resto de algum velho e áspero cidadão de Herculano que, tendo escapado de seu leito subterrâneo, voltava para nós crivado de mil cóleras vulcânicas e vivia na morte.” Mémoires de Chodruc-Duclos, org. por J. Arago e Édouard Gouin Paris, 1843, vol. I, p. 6 (“Préface”). 0 primeiro flâneur entre os desclassificados.
[D 4a, 4]
Baudelaire no ensaio sobre Guys: “O dandismo é uma instituição vaga, tão bizarra quanto o duelo; muito antiga, pois dela César, Catilina, Alcibíades nos oferecem exemplos brilhantes: muito geral, pois Chateaubriand encontrou-a nas florestas e às margens dos lagos do Novo Mundo.” Baudelaire, L’Art Romantique, Paris, p. 91.
[D 5, 3]
A multidão aparece como supremo remédio contra o tédio no ensaio sobre Guys: “‘Todo homem’, disse certa vez Monsieur G., numa dessas conversas que ele ilumina com um olhar intenso e com um gesto evocativo, ‘todo homem … que se entedia no meio da multidão é um tolo! Um tolo! E eu o desprezo!'” Baudelaire, L’Art Romantique, p. 65.
[O 6, 2]
“Há épocas do ano, até periódicas, que são fatais para a virtude de um grande número de moças parisienses. Nas casas de tolerância ou em outros lugares, as investigações da policia encontram, então, muito mais jovens entregando-se à prostituição clandestina que em todo o resto do ano. Perguntei-me muitas vezes sobre as causas desses surtos de devassidão, e ninguém, mesmo na administração, soube responder esta questão. Tive de me valer de minhas próprias observações e empenhei-me com tanta perseverança que consegui, enfim, descobrir o princípio verdadeiro dessa prostituição progressiva … e … circunstancial… Quando se aproximam o Ano Novo, a festa de Reis, as festas da Virgem…, as jovens querem dar lembranças, presentes, oferecer belos buquês; desejam também, para elas mesmas, um vestido novo, o chapéu da moda, e, privadas dos meios pecuniários indispensáveis…, elas os encontram entregando-se durante alguns dias à prostituição… Eis os motivos para o recrudescimento da devassidão em certas épocas e certas festividades.” F. F. A. Béraud, Les Filles Publiques de Paris et la Police qui les Régit, vol. II, Paris-Leipzig, 1839, pp. 252-254.
[p 1a, 1]
Charles Louandre sobre as fisiologias que ele acusa de corromper os costumes: “Esse triste gênero … logo cumpriu seu destino. A fisiologia, que se publica no formato in-32 para ser comprada … pelas pessoas que passeiam, figurava, em 1836, na Bibliographie de la France, com 2 volumes. Ela apresenta 8 volumes em 1838, 76 em 1841, 44 em 1842, 15 no ano seguinte, e, na melhor das hipóteses, 3 ou 4 nos últimos dois anos. Da fisiologia dos indivíduos passou-se à fisiologia das cidades. Havia Paris la nuit, Paris à table, Paris dans l’eau, Paris à cheval, Paris pittoresque, Paris bohémien, Paris littéraire, Paris marié. Em seguida, veio a fisiologia dos povos: Les français, les anglais peints par eux-mêmes; depois a fisiologia dos animais: Les animaux peints par eux-mêmes et dessinés par d’autres. Enfim … os autores … já sem assunto, acabaram pintando a si mesmos e nos deram La physiologie des physiologistes.”‘ Charles Louandre, “Statistique littéraire de la production intellectuelle en France depuis quinze ans”, Revue de Deux Mondes, 15 nov. 1847, pp. 686-687.
[p 2, 3]
Surgimento das fisiologias: “A acalorada batalha política dos anos de 1830-1835 formou um exército de desenhistas … e este exército … foi, do ponto de vista político, posto totalmente fora de combate pelas leis de setembro. Portanto, na época em que esse exército já havia pesquisado todos os segredos de sua arte, ele foi bruscamente isolado em um único campo de atuação: a descrição da vida burguesa… Este é o pressuposto que explica o grandioso painel da vida burguesa que se iniciou por volta de meados dos anos trinta na França… Tudo passava em desfile … dias alegres, dias tristes, dias de trabalho e de descanso, costumes conjugais e hábitos do celibatário, família, casa, crianças, escola, sociedade, teatro, tipos, profissões.” Eduard Fuchs, Die Karikatur der europäischen Völker, 4a ed., Munique, 1921, vol. I, p. 362.