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SOBRE A VERGONHA

Sobre o significado secreto do rubor, que vem com a vergonha dos seres humanos, segue a observação de Goethe: “Nos macacos, quando algumas partes nuas se destacam devido as suas cores elementares, isto indica o quão distante esta criatura se encontra da perfeição: porque, se pode dizer, quanto mais nobre é uma criatura tanto mais todo o material adjetivo é assimilado nela; quanto mais sua superfície se relaciona com seu interior menos podem aparecer as cores elementares mesmas. Como neste caso, onde o todo perfeito integra tudo, não se pode separar aqui e ali algo específico” (Farbenlehre Didaktischer Teil 666). A indeterminação sublime, a discrição com a qual o ser humano se apresenta diante das cores quando comparado ao restante dos seres, na qual a natureza praticamente se retira dele devido à palidez de seu corpo material e onde, por outro lado, a sua graça parece triunfar mais que no esplendor, será destruída no rubor da vergonha. Porém não através do poder inferior. Porque esse rubor da vergonha não macula a pele, nele não aparece o dilema interno, a decomposição interna sobre a superfície. Ele não anuncia absolutamente nada interior. Por outro lado, caso ele assim se apresentasse, realmente seria motivo suficiente para uma nova vergonha do ser humano, revelada em sua alma débil, em vez de – como, na verdade, o é – fazer de seu rubor todo o fundamento da vergonha, extinguindo todo interior. O rubor de vergonha não aflora a partir do interior (e esse crescente rubor da vergonha, a partir do qual às vezes se fala, não é daquele que se envergonha), mas sim do exterior, de cima, de onde ele verte o envergonhado, liquida nele a desonra e igualmente priva o desonrado. Pois o rubor intenso vertido pela vergonha priva-o do olhar das pessoas como se estivesse sob um véu. Quem se envergonha não vê nada, mas também não será visto.

Este prodigioso poder da vergonha mostra-se claramente na cor. O que distingue seu rubor daquela policromia denunciatória das cores da natureza, que Goethe reconheceu no macaco e da qual o corpo material humano é tão privado, capaz de estabelecer uma profunda relação secreta, se encontra na pedante “Analyse der Schönheit” de Hogarth: “Para evitar confusões e como eu já disse o suficiente sobre o retrocesso das sombras, agora vou apenas descrever a natureza e o efeito da primeira tonalidade da cor de carne. A composição desta cor, quando é corretamente entendida, abrange tudo o que se pode dizer da cor de qualquer objeto em geral” (ed. Leitner p 181). O que distingue o rubor de vergonha da vergonha policrômica de um macaco, e o tom da pele humana da de um animal? Goethe observou que as cores nos seres orgânicos são a expressão de seu interior. Isto requer uma extremamente notável, singular e, em certo sentido, transformação turva da essência fundamental das cores no mundo orgânico. Turvação: porque à essência pura da cor não corresponderia a expressão de um colorido, a expressão para o interior de um colorido. Pois a expressão pura, a significação pura, o “efeito ético-sensível” que fala Goethe, prende-se às cores, não à coloração. E mais precisamente: nem à coloração, tão pouco inteiramente às cores, mas sim ao cerne do colorir. Não à coisa azul, nem ao azul morto, mas à luz azul, ao brilho azul, ao raio azul. Estes três retêm e contêm das cores o simples <?> espiritual. Mas eles aparecem como brilho e luz, no mundo orgânico simples das plantas, mais puros do que no mais complexo dos animais. Mas o raio irradia apenas a partir do inorgânico que do orgânico superior: a partir do sol e a partir da face. Como raio, porém, a cor nunca é a expressão de um interior, mas sempre seu efeito. Como luz e brilho ela pode ser expressão e assim revela, quanto mais pura ela é menos visível a partir do interior, como justamente seria no mundo das plantas. Em contrapartida, quanto mais a cor se torna a expressão do interior e menos permanece sendo a luz da superfície, mais turva parece e mais não-espiritual. Assim, com a maioria dos animais. Mas, em parte alguma, nem nos animais nem nas plantas, nem nas cores brilhantes ou turvas, pode aparecer a luz colorida, só na face humana quando cessa completamente de brilhar, reunida ao rubor intenso. A cor da vergonha é pura: seu vermelho não é colorido nem cor, mas colorir. Ele é o encarnado do passado na paleta da fantasia. Devido a esse verdadeiro colorir mais puro, a luz nada mais é que o colorido, o multicolorido da fantasia. A ela se prestam as cores, nas quais aparece um ser, sem ser a expressão de um interior. E apenas esta manifestação colorida é pura e, por isso, atua de modo incomparavelmente poderoso: não sobre a compreensão, que nada revela, mas sobre a alma, que diz tudo. A falta de expressão é a manifestação significativa da cor da fantasia. A falta de expressão, a manifestação significativa do delito, do rubor de vergonha.

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