Criar a história com os próprios detritos da história.
Rémy de Gourmont, Le II Livre des Masques, Paris, 1924, P. 259.
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Criar a história com os próprios detritos da história.
Rémy de Gourmont, Le II Livre des Masques, Paris, 1924, P. 259.
Os acontecimentos ganham em não ser comentados.
Alfred Delvau, prefácio de Murailles Révolutionnaires, vol. I, Paris, p. 4.
Livre-nos Deus! A procriação, como era antes, hoje qual vão folguedo valha.
Fausto II (Wagner na cena do homúnculo).
“A história é como Janus, tem duas faces: quer olhe o passado, quer olhe o presente, ela vê as mesmas coisas.” Du Camp, Paris, vol. VI, p. 315. ■ Moda ■
“Aconteceu-me várias vezes apreender certos fatos menores que se passavam diante de meus olhos e perceber neles uma fisionomia original, na qual eu me comprazia em discernir o espirito da época. ‘Isto’, eu dizia a mim mesmo, ‘só poderia se dar hoje, não poderia ser em outro momento. Isto é um sinal do tempo.’ Ora, reencontrei nove vezes em dez o mesmo fato em circunstâncias análogas em velhos relatos ou em velhas histórias.” Anatole France, Le Jardin d’Épicure, Paris, p. 113. ■ Moda ■
A alternância da moda, o eternamente atual [das Ewig-Heutige], escapa à reflexão “histórica”; ele só é verdadeiramente superado pela reflexão política (teológica). A política reconhece em cada constelação atual o genuinamente único, o que jamais retorna. Para uma reflexão sujeita à moda e que procede da má atualidade, é típica a seguinte informação, contida em La Trahison des Clercs, de Benda. Um alemão descreve sua surpresa quando, duas semanas após a tomada da Bastilha, sentado à mesa de hóspedes em Paris, não ouviu ninguém falar sobre política. É a mesma situação descrita por Anatole France que põe as seguintes palavras na boca do velho Pilatos, que conversa em Roma sobre os tempos de seu governo e evoca a revolta do rei dos judeus: “Como era mesmo o nome dele?”
Definição do “moderno” como o novo no contexto do que sempre existiu. A paisagem da charneca em Kafka (O Processo), sempre nova e sempre igual, não é um mau exemplo deste estado de coisas. “‘O senhor não gostaria de ver mais um quadro que eu poderia lhe vender?’… O pintor tirou de baixo da cama um monte de quadros sem moldura, tão cobertos de poeira que, quando o pintor tentou soprá-la da superfície do primeiro quadro, formou-se uma nuvem que ficou por um longo tempo diante dos olhos de K., sufocando-o. ‘Uma paisagem da charneca’, disse o pintor, oferecendo o quadro a K. Ele representava duas árvores mirradas, distantes uma da outra, sobre a grama escura. Ao fundo, um crepúsculo multicolorido. ‘Bom’, disse K., ‘eu o compro’. K. se expressara de modo tão conciso inadvertidamente, por isso ficou aliviado quando o pintor, em vez de levá-lo a mal, apanhou um segundo quadro do chão. ‘Aqui está o quadro complementar’, disse o pintor. Talvez ele pretendesse que assim o fosse, mas não se percebia diferença alguma em relação ao primeiro, estavam ali as árvores, aqui a grama e lá o crepúsculo. Mas K. não se incomodou. ‘São belas paisagens’, disse, ‘vou comprar ambos e pendurá-los em meu escritório’. ‘O tema parece lhe agradar’, disse o pintor, e pegou um terceiro quadro, ‘é uma sorte que eu tenha ainda um quadro parecido aqui’. Não era parecido, era exatamente a mesma paisagem da charneca, absolutamente igual. O pintor aproveitou bem esta oportunidade para vender quadros velhos. ‘Vou levar este também’, disse K. ‘Quanto custam os três quadros?’ Falaremos sobre isso em seguida, disse o pintor… ‘Aliás, fico contente que os quadros lhe agradem, eu lhe darei todos os quadros que tenho aqui embaixo. Todos eles representam paisagens da charneca, já pintei muitas delas. Algumas pessoas os rejeitam porque são sombrios demais; outras, porém, e o senhor é uma delas, apreciam justamente coisas sombrias’.” Franz Kafka, Der Prozeß, Berlim, 1925, pp. 284-286. ■ Haxixe ■
O “moderno”, o tempo do inferno. Os castigos do inferno são sempre o que há de mais novo neste domínio. Não se trata do fato de que acontece “sempre o mesmo”, e nem se deve falar aqui do eterno retorno. Antes, trata-se do fato de que o rosto do mundo nunca muda justamente naquilo que é o mais novo, de forma que este “mais novo” permanece sempre o mesmo em todas as suas partes. — É isto que constitui a eternidade do inferno. Determinar a totalidade dos traços em que se manifesta o “moderno” significaria representar o inferno.
Interesse vital em reconhecer um determinado ponto da evolução como encruzilhada. Nesse ponto localiza-se atualmente o novo pensamento histórico, que é caracterizado por uma maior concretude, pela salvação dos períodos de decadência e pela revisão da periodicidade, de maneira geral e em particular, e cuja utilização em um sentido reacionário ou revolucionário está sendo decidida agora. Neste sentido, o que se anuncia nos escritos dos surrealistas e no novo livro de Heidegger é a mesma crise, com suas duas possibilidades de solução.
Rémy de Gourmont sobre a Histoire de la Société Française Pendant la Révolution et sous le Directoire: “Esta foi a primeira originalidade dos Goncourt: criar a história com os próprios detritos da história.” Rémy de Gourmont, Le II Livre des Masques, Paris, 1924, p. 259.
“Se guardamos da história apenas os fatos mais gerais, os que se prestam aos paralelos e às teorias, basta — como dizia Schopenhauer — conferir com Heródoto o jornal da manhã: tudo o que ocorre no intervalo, repetição evidente e fatal dos fatos mais longínquos e dos fatos mais recentes, torna-se inútil e fastidioso.” Rémyv de Gourmont, Le II Livre des Masques, Paris, 1924, p. 259. A passagem não é muito clara. Ao pé da letra, dever-se-ia supor que a repetição no decurso histórico refere-se tanto aos grandes fatos quanto aos pequenos. Porém, o autor provavelmente se refere apenas aos primeiros. É preciso mostrar, em vez disso, que é justamente nos detalhes do que ocorre no intervalo que se manifesta o eternamente igual.
As construções da história são comparáveis a ordens militares que cerceiam a verdadeira vida e a confinam em quartéis. Por outro lado, temos a anedota como uma insurreição nas ruas. A anedota aproxima as coisas espacialmente de nós, faz com que entrem em nossa vida. Ela representa a rigorosa oposição à história que exige a “empatia”, que torna tudo abstrato. A mesma técnica da proximidade deve ser usada em relação às épocas, à maneira dos calendários. Imaginemos que um homem morra exatamente ao completar cinqüenta anos, no dia do nascimento de seu filho, a quem ocorrerá o mesmo etc. Se iniciarmos esta corrente na época do nascimento de Cristo, resulta daí o seguinte: desde o início de nossa era, não viveram mais do que umas quarenta pessoas. Desta forma, quando se aplica ao decurso histórico um critério adequado, uma escala que lhe seja adequada, comensurável à vida humana, a sua imagem se transforma inteiramente. Este páthos da proximidade, o ódio contra a configuração abstrata da história em “épocas”, animou os grandes céticos, como Anatole France.
Nunca houve uma época que não se sentisse “moderna” no sentido excêntrico, e que não tivesse o sentimento de se encontrar à beira de um abismo. A consciência desesperadamente lúcida de estar em meio a uma crise decisiva é crônica na história da humanidade. Cada época se sente irremediavelmente nova. O “moderno”, porém, é tão variado como os variados aspectos de um mesmo caleidoscópio.
Correlação entre a intenção da colportagem e a intenção teológica mais profunda. Ela a reflete de maneira turva, desloca para o espaço da contemplação aquilo que é válido apenas no espaço da vida justa. Ou seja: que o mundo é sempre o mesmo (que todos os acontecimentos poderiam ter ocorrido no mesmo espaço). No plano teórico, apesar de tudo (apesar da aguda intuição que ela encerra), esta é uma verdade esgotada e murcha. Mas ela encontra sua confirmação suprema na existência do homem religioso, para quem todas as coisas estão a serviço do bem supremo — como aqui o espaço está a serviço de tudo o que passou. Assim, o elemento teológico penetrou de maneira profunda no domínio da colportagem. Pode-se até mesmo dizer que as verdades mais profundas, longe de serem provenientes do lado obtuso e animal do homem, possuem a força poderosa de adaptar-se ainda à obtusidade e à vulgaridade, de refletir-se à sua maneira em sonhos irresponsáveis.
Não há um declínio das passagens, mas uma súbita reviravolta. De uma hora para outra elas se transformaram na forma que moldou a imagem da “modernidade”. Aqui o século refletiu com satisfação o seu passado mais recente.
Cada data do século XVI carrega atrás de si uma púrpura. Somente agora as datas do século XIX devem receber sua fisionomia. Sobretudo graças aos dados da arquitetura e do socialismo.
Cada época acredita ser irremediavelmente moderna — mas também cada uma delas tem direito de ser assim considerada. Contudo, o que se deve compreender por irremediavelmente moderno depreende-se muito claramente da seguinte frase: “Talvez nossos descendentes delimitem como o segundo grande período de toda a história depois de Cristo o que se inicia com a Revolução Francesa e a passagem do século XVIII ao XIX, e reúnam no primeiro período o desenvolvimento de todo o mundo cristão, inclusive a Reforma.” Em outro trecho, fala-se de “um grande período que marca um corte profundo na história do mundo, como qualquer outro, sem nenhum fundador de religião, sem reformadores e sem legisladores”. (Julius Meyer, Geschichte der modernen französischen Malerei, Leipzig, 186—. pp. 22 e 21). Segundo o autor, a história se expande sem cessar. Na realidade, isto é conseqüência do fato de que a indústria confere à história um caráter verdadeiramente epocal. O sentimento de uma transformação epocal surgida com o século XIX não foi privilégio de Hegel e de Marx.
O coletivo que sonha ignora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo um curso sempre idêntico e sempre novo. Com efeito, a sensação do mais novo, do mais moderno, é tanto uma forma onírica dos acontecimentos quanto o eterno retorno do sempre igual. A percepção do espaço que corresponde a esta percepção do tempo é a transparência da interpenetração e superposição do mundo do flâneur. Estas sensações de espaço e de tempo foram o berço para a escrita folhetinesca moderna. ■ Coletivo onírico ■
“O que nos incita ao estudo do passado é a semelhança do ocorrido com nossa vida, o que é uma forma de ser-de-alguma-maneira-um-só [ein Irgendwie-eins-Sein]. Através da compreensão desta identidade, podemos nos deslocar mesmo para a região mais a morte.” Hugo von Hofmannsthal, Buch der Freunde, Leipzig, 1929, p. 111.
É muito significativo que Hofmannsthal denomine esta “forma de ser-de-alguma-maneira-um-só” uma existência na esfera da morte. Daí a imortalidade de seu “noviço”, o personagem de novela sobre o qual conversou comigo em nosso último encontro, e que deveria atravessar as diferentes religiões ao longo dos séculos como se atravessasse a seqüência de cômodos de uma única moradia. Como, no espaço restrito de uma única vida, esta “forma de ser-de-alguma-maneira-um-só” com o ocorrido conduz à esfera da morte — isto ficou evidente para mim, em 1930, durante uma conversa sobre Proust. Ele certamente não elevou o homem, apenas o analisou. A grandeza moral de Proust, entretanto, reside em um campo bastante diferente. Com uma paixão desconhecida aos escritores que o antecederam, ele escolheu como sua causa a fidelidade às coisas que atravessaram a nossa existência. Fidelidade a uma tarde, a uma árvore, a uma mancha de sol sobre o tapete, fidelidade a roupas, móveis, a perfumes ou paisagens. (A descoberta que faz finalmente a caminho de Méséglise é o mais elevado ensinamento moral que Proust deixou: uma espécie de transposição espacial do semper idem.) Reconheço que Proust, no sentido mais profundo, peut-être se range du côté de la mort [talvez se coloque do lado da morte]. Seu cosmos talvez tenha como sol a morte, ao redor da qual gravitam os momentos vividos, as coisas recolhidas. Além do principio do prazer é provavelmente o melhor comentário que existe a respeito das obras de Proust. É preciso, para entender Proust, partir talvez da idéia de que seu objeto é o reverso, le revers — moins du monde que de la vie même — [menos do mundo que da própria vida].
“Talvez nenhum simulacro tenha criado um conjunto de objetos aos quais se aplique com maior propriedade o conceito de ideal que o grande simulacro constituído pela perturbadora arquitetura ornamental do Modern Style. Nenhum esforço coletivo chegou a criar um mundo de sonho tão puro e tão inquietante quanto esses edifícios modern style, os quais, à margem da arquitetura, constituem por si mesmos verdadeiras realizações de desejos solidificados, nos quais o mais violento e cruel automatismo revela dolorosamente o ódio da realidade e a necessidade de refúgio num mundo ideal, à maneira do que se passa numa neurose infantil.” Salvador Dalí, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1, Paris, 1930, p. 12. ■ Indústria ■ Reclame ■
“Eis o que podemos ainda amar: o bloco imponente desses edifícios delirantes e frios espalhados em toda a Europa, desprezados e negligenciados pelas antologias e pelos estudos.” Salvador Dalí, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1, Paris, 1930, p. 12. Talvez cidade alguma contenha exemplos mais perfeitos deste Jugendstil do que Barcelona, nos edifícios do arquiteto que projetou a igreja da Sagrada Família.
>Wiesengrund cita e comenta uma passagem de A Repetição, de Kierkegaard: “Sobe-se ao primeiro andar de uma casa iluminada a gás, abre-se uma pequena porta e eis a entrada. À esquerda, tem-se uma porta de vidro que conduz a um gabinete. Segue-se em frente e chega-se a uma ante-sala. Depois dela, dois quartos de igual tamanho, de mobília como se um dos quartos estivesse sendo refletido no espelho.” A propósito desta passagem — Kierkegaard, Gesammelte Werke, vol. III <Furcht und Zittern, Wiederholung [Temor e tremor, A repetição]>, Iena, 1909, p. 138 — que continua a citar, Wiesengrund comenta: “A duplicação do quarto que aparece refletido, sem de fato estar refletido, tem algo de insondável: assim como estes quartos, talvez toda aparência na história seja igual a si mesma, enquanto ela própria, escrava da natureza, persistir na aparência.” Wiesengrund-Adorno. Kierkegaard, Tübingen, 1933, p. 50. ■ Espelho ■ Intérieur ■
Sobre o tema dos quadros representando a charneca em O Processo, de Kafka: no tempo do inferno, o novo (o correspondente) é sempre o eternamente igual.
Após a Comuna: “A Inglaterra acolheu os proscritos e fez de tudo para retê-los: por ocasião da Exposição de 1878, foi possível perceber que ela acabava de tirar da França e de Paris o primeiro lugar nas indústrias da arte. Se o Modern Style voltou à França em 1900, isso talvez tenha sido uma conseqüência longínqua da maneira bárbara pela qual foi reprimida a Comuna.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 437.
“Quis-se criar um estilo eclético. As influências estrangeiras favoreceram o Modern Style, quase exclusivamente inspirado na decoração floral. Seguia-se o modelo dos pré-rafaelistas ingleses e dos urbanistas de Munique. À construção em ferro sucedeu o cimento armado. Para a arquitetura, esse foi o ponto mais baixo da curva, que coincidiu com a mais profunda depressão política. Foi nesse momento que Paris recebeu suas casas e seus monumentos mais bizarros, os que menos harmonizavam com a cidade antiga: a casa de estilo compósito construída pelo Sr. Bouwens no n° 27 do Quai d’Orsay, os abrigos do metrô, a loja de departamentos La Samaritaine, erguida pelo Sr. Frantz Jourdain no meio da paisagem histórica do bairro Saint-Germain l’Auxerrois.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 465.
“O que o Sr. Arsène Alexandre então chama de ‘o encanto profundo das serpentinas agitadas pelo vento’ é o estilo polvo, a cerâmica verde e mal cozida, as linhas forçadas e esticadas em ligamentos tentaculares, a matéria torturada em vão… A moranga, a abóbora, a raiz de malva, a voluta de fumaça inspiram um mobiliário ilógico sobre o qual vêm pousar a hortênsia, o morcego, a angélica, a pena de pavão, invenções de artistas presos à má paixão pelo símbolo e pelo poema… Numa época de luz e de eletricidade, o que triunfa é o aquário, o esverdeado, o submarino, o híbrido, o venenoso.” Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 101-103.
“Este estilo 1900 infecta, aliás, toda a literatura. Nunca se escreveu tão pretensiosamente mal. Nos romances, o distintivo de nobreza é obrigatório: é sempre Senhora de Scrimeuse, Senhora de Girionne, Senhora de Charmaille, Senhor de Phocas; nomes difíceis de pronunciar: Yanis, Damosa, lorde Eginard… As Légendes du Moyen Âge, de Gaston Pâris, que acabam de ser publicadas, mantêm o culto ardente do neogótico: são sempre Graals, Ysoldas, Damas do Unicórnio. Pierre Louys escreve trono com ‘h’; e por toda parte encontram-se abysmos, ymagens e ’emmy’ [no meio] das flores etc. … Triunfo do ‘y’.” Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 179-181.
“Pareceu-me interessante que um número de revista [Nota: Minotaure, n° 3-4] onde foram apresentados alguns admiráveis exemplos da arte Modern Style, reunisse também um certo número de desenhos medianímicos… Na verdade, é inevitável que fiquemos chocados com as afinidades entre as tendências desses dois modos de expressão: o que é o modern style, eu me pergunto, senão uma tentativa de generalização e adaptação do desenho, da pintura e da escultura medianímicos à arte imobiliária e mobiliária? Encontra-se aí a mesma disparidade nos detalhes, a mesma impossibilidade de se repetir, que leva justamente à verdadeira, à cativante estereotipia; encontra-se o mesmo deleite colocado na curva que nunca acaba, como a da samambaia nascente, a do caracol ou a do enrodilhado embrionário, cuja observação, aliás excitante, desvia do prazer do conjunto… Pode-se afirmar, então, que os dois empreendimentos são concebidos sob o mesmo signo, que poderia bem ser o do polvo, ‘do polvo’, como disse Lautréamont, ‘de olhar de seda’. De uma parte a outra é, plasticamente, até no traço, o triunfo do equívoco; do ponto de vista da interpretação é, até no insignificante, o triunfo do complexo. Mesmo o empréstimo, contínuo até o fastio, de temas — acessórios ou não — ao mundo vegetal, é comum a esses dois modos de expressão, que em princípio respondem a necessidades de exteriorização tão distintas. E eles compartilham também uma certa propriedade que eles têm de evocar superficialmente … certas produções da antiga arte asiática ou americana.” André Breton, Point du Jour, Paris, 1934, pp. 234-236.
A folhagem pintada na abóbada da Bibliothèque Nationale. Quando se folheia um livro embaixo, ouve-se o farfalhar lá em cima.
“Assim como os móveis atraem-se uns aos outros — o entorno do sofá e a chapeleira são o resultado de tais uniões! — igualmente as paredes, o assoalho e o teto parecem ser possuídos por uma singular capacidade de atração. Os móveis tornam-se cada vez mais intransportáveis, aninham-se nas paredes e nos cantos, prendem-se ao assoalho e fincam raízes… Obras de arte ‘livres’, quadros pendurados e esculturas expostas são eliminados na medida do possível; desta tendência origina-se o desenvolvimento da pintura mural, do afresco, da tapeçaria decorativa e da pintura em vidro… Todo o conteúdo permanente da casa é subtraído desta maneira do mercado de troca; o próprio morador é privado de sua liberdade de circular e fica preso ao solo e à propriedade.” Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, pp. 264-266.
“Por intermédio do contorno voluptuoso e poderoso … a figura da alma se torna ornamento… Maeterlinck, em Le Trésor des Humbles [O tesouro dos humildes], celebra o silêncio, o silêncio que não se origina do arbítrio de dois indivíduos, mas flui e cresce como um terceiro ser, um ser particular, que enlaça os amantes, selando desta maneira sua união: assim tal invólucro de silêncio manifesta-se claramente como uma forma de contorno ou como uma forma verdadeiramente animada do ornamento.” Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 270.
“Assim, cada casa parece … ser um organismo que expressa seu interior no exterior, e Van de Velde revela … claramente o modelo de sua concepção visionária da cidade dos caracteres… ‘Quem, ao contrário, objetar que isto seria um selvagem carnaval…, deve lembrar-se da impressão harmoniosa e prazerosa provocada por um jardim com plantas terrestres e aquáticas desenvolvendo-se livremente.’ Se a cidade é um jardim cheio de organismos habitacionais crescendo livremente, falta completamente nesta visão o lugar que o homem deve ocupar nela, a menos que ele ficasse preso no interior dessas plantas, ele próprio enraizado e preso ao solo — à terra ou à água —, como se estivesse incapacitado por um feitiço (metamorfose) de mover-se de maneira diferente do que a planta que o envolve e emoldura… Como um corpo astral, tal como o viu e vivenciou Rudolf Steiner…, cuja escola deu a muitas de suas produções uma consagração ornamental, com signos curvilíneos que nada mais são do que vestígios dos ornamentos do Jugendstil.” Cf. a epígrafe do ensaio, Ovídio, Metamorfoses, livro III, versos 509-510: “O corpo desaparecera. Mas em vez do corpo, uma flor / Amarela como o açafrão adornado de folhas brancas.” Sternberger. “Jugendstil”, loc. cit., pp. 268-269 e 254.
O seguinte olhar sobre o Jugendstil é muito problemático, pois nenhuma manifestação histórica pode ser concebida somente sob a categoria da fuga; esta carrega sempre, de forma concreta, a marca daquilo de que se foge. “O que permanece fora … é o burburinho das cidades, a fúria monstruosa, não dos elementos, e sim das indústrias, o poder onipresente da moderna economia de mercado, o mundo das empresas, do trabalho tecnológico e das massas, que parecia aos exponentes do Jugendstil como um alarido geral, sufocante e caótico.- Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 260.
Delvau fala em certa ocasião dos “futuros beneditinos que deverão escrever a história da Paris do século XIX.” Alfred Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 32 (‘Alexandre Privat D’Anglemont”).
O Jugendstil e a política social de habitação. “A arte que virá será mais pessoal do que qualquer uma que a precedeu. Em época alguma o desejo do homem por autoconhecimento foi tão forte, e o lugar por excelência onde ele pode viver e transfigurar sua própria individualidade é a casa, que cada um de nós construirá segundo seu desejo… Em cada um de nós dormita uma capacidade de invenção ornamental suficientemente grande, de modo que não precisamos lançar mão de nenhum intermediário para construir nossa casa.” Após esta citação extraída de Renaissance im modernen Kunstgewerbe, de Van de Velde, Karski prossegue: “Para qualquer um que leia este texto deve ficar absolutamente claro que este ideal não pode ser alcançado na nossa sociedade atual e que sua realização fica reservada ao socialismo.” J. Karski, “Moderne Kunstströmungen und Sozialismus”, Die Neue Zeit, XX, n° 1, Stuttgart, pp. 146-147.
Assim como Ibsen, em Solness, o Construtor, faz o julgamento da arquitetura do Jugendstil, assim o faz a respeito de seu tipo de mulher em Hedda Gabler. Ela é a irmã dramática das diseuses e dançarinas que aparecem nuas nos cartazes do Jugendstil, sem pano de fundo real, com uma devassidão ou inocência floral.
“A rua de Paris”, na Exposição universal de 1900, em Paris, realiza de maneira extrema a idéia de casa própria característica do Jugendstil: “Aqui foi construída uma longa fileira de edifícios de formas muito diversas… O jornal satírico Le Rire construiu um teatro de marionetes… Loie Fuller, que inventou a dança serpentina, possui uma casa neste conjunto. Não muito longe dali, há uma casa que parece estar de ponta-cabeça, com o telhado fincando raízes na terra e as portas com suas soleiras apontando para o céu; chama-se ‘A Torre dos Milagres’… A idéia, em todo o caso, é original.” Th. Heine, “Die Straße von Paris”, in: Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild, ed. org. por Georg Malkowsky, Berlim, 1900, p. 78.
Sobre a casa de cabeça para baixo: “Esta casinha, construída em estilo gótico, está literalmente de cabeça para baixo, isto é: seu telhado, com as chaminés e pequenas torres, estende-se pelo chão, enquanto os alicerces se elevam para o céu. Naturalmente, todas as janelas, portas, terraços, galerias, esquadrias, ornamentos e inscrições estão invertidos; até os ponteiros do grande relógio obedecem a esta tendência ao inverso… Embora esta idéia maluca seja divertida…, ela se torna monótona no interior. Lá ficamos nós mesmos de ponta-cabeça, como as curiosidades expostas. Lá estão uma mesa posta, um salão ricamente mobiliado e também um banheiro… O gabinete adjacente … e alguns outros cômodos estão forrados de espelhos côncavos e convexos. Os organizadores chamam-nos simplesmente de gabinetes do riso.” “Le manoir à l’envers”, in: Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild, ed. org. por Georg Malkowsky, Berlim, 1900, pp. 474-475.
Sobre a Exposição universal de Londres de 1851. “Esta exposição obteve sucesso não só no domínio da técnica e das máquinas, mas também no desenvolvimento artístico, e seus efeitos são sentidos por nós até hoje… Perguntamo-nos agora se o movimento que levou à construção de um edificio monumental de vidro e ferro … não se manifestou igualmente no desenho de móveis e utensílios. Em 1851 essas questões não se colocavam. E no entanto havia muito a observar. Durante as primeiras décadas do século XIX, a indústria de maquinaria da Inglaterra levou a eliminar a decoração supérflua de móveis e utensílios para que as máquinas pudessem fabricá-los mais facilmente. Com isso surgiu, principalmente para os móveis, uma série de formas bastante simples, mas construtivas e extraordinariamente inteligentes, que despertam novamente o nosso interesse hoje em dia. Os móveis ultramodernos de 1900, que dispensam qualquer ornamento e enfatizam as linhas puras, retomam imediatamente aqueles móveis de mogno maciços e ligeiramente torneados de 1830-1850. Ocorre que em 1850 não se apreciava o que, de fato, já havia sido conquistado na busca por novas formas básicas. (Ao contrário, houve uma tendência ao historicismo, que conduziu principalmente à moda renascença.) Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen, Berlim, pp. 11-12.
A propósito de Titorelli, em Kafka, fazer uma comparação com o programa dos pintores naturalistas por volta de 1860: “Segundo eles, a posição do artista frente á natureza deve ser … impessoal — a ponto de ele ser capaz de pintar o mesmo quadro dez vezes seguidas, sem hesitar e sem que as cópias posteriores se diferenciem em nada da cópia precedente.» Gisela Freund, La Photographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito, p. 128).
Ao tentar acompanhar o Jugendstil [estilo de juventude] até seus efeitos sobre o Jugendbewegung [movimento de juventude] talvez devêssemos conduzir este estudo até o limiar da guerra.
Influência dos procedimentos de reprodução técnica sobre a teoria da pintura dos realistas: “Segundo eles, a posição do artista frente à natureza deve ser inteiramente impessoal, impessoal a ponto de ele ser capaz de pintar o mesmo quadro dez vezes seguidas, sem hesitar e sem que as cópias posteriores se diferenciem em nada da cópia precedente.” Gisèle Freund, La Photographie en France au XIX Siècle, Paris, 1936, p. 106.
É necessário prestar atenção à relação entre Simbolismo e Jugendstil, o que aponta para o lado esotérico deste último. Thérive escreve na resenha sobre o livro de Édouard Dujardin, Mallarmé par un des Siens, Paris, 1936: “No prefácio astucioso que escreveu para o livro de Édouard Dujardin, o Sr. Jean Cassou explica que o Simbolismo era um empreendimento místico e mágico, e que colocava o eterno problema do jargão, ‘gíria sofisticada, onde se expressa a vontade de ausência e de evasão da casta artística’… O Simbolismo se prestava sobretudo aos jogos meio paródicos do sonho, às formas ambíguas, e o comentarista chega a dizer que a mistura de esteticismo e mau gosto no estilo do Chat Noir (caf’ conc’ [para café concert], mangas tufadas, orquídeas e penteados com tiaras) foi uma combinação refinada, necessária.” André Thérive, “Les livres”, Le Temps, 25 jun. 1936.
Denner trabalhou quatro anos em um retrato que está exposto no Louvre, sem hesitar em usar a lupa para conseguir uma fidelidade absoluta na reprodução da natureza. E isto em uma época em que já tinha sido inventada a fotografia. (?) Isto demonstra como é difícil para o homem ceder o seu posto e deixar a máquina comandar em seu lugar. (Cf. Gisèle Freund, La Photographie en France au XIX Siècle, Paris, 1936, p. 112.)
Em uma prefiguração do Jugendstil, Baudelaire concebe “um quarto que se pareça com um devaneio, um quarto verdadeiramente espiritual… Os móveis têm formas alongadas, prostradas, lânguidas. Os móveis parecem sonhar; dir-se-ia que são dotados de uma vida sonâmbula, como o vegetal e o mineral.” Com isso, ele invoca um ídolo que talvez leve a pensar nas “mães malvadas” de Segantini ou em Hedda Gabler, de Ibsen: “o Ídolo. Eis o que são esses olhos … esses sutis e terríveis mirantes, que reconheço por sua assustadora malícia!” Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 5 (“La chambre double”).
No livro The Nightside of Paris, de Edmund B. d’Auvergne (Londres, s. d., por volta de 1910), encontra-se à página 56 uma nota dizendo que havia sobre a porta do antigo Chat Noir (na Rue Victor-Massé) a seguinte inscrição: “Transeunte, seja moderno!” (Segundo carta de Wiesengrund) — Rollinat no Char Noir.
“O que é mais distante de nós que a ambição desconcertante de um Leonardo, que, considerando a Pintura como um fim supremo ou uma suprema demonstração do conhecimento, pensava que ela exigisse a aquisição da onisciência, e que não recuava diante de uma análise geral cuja profundidade e precisão nos confundem? A passagem da antiga grandeza da Pintura a seu estado atual é bem perceptível na obra e nos escritos de Eugène Delacroix. A inquietude, o sentimento de impotência dilaceram esse moderno cheio de idéias, que encontra a cada instante os limites de seus meios em seu esforço de igualar-se aos mestres do passado. Nada revela melhor a diminuição de não sei que força de outrora, de que plenitude, que o exemplo desse tão nobre artista, dividido em si mesmo, e enfrentando vigorosamente o último combate do grande estilo na arte.” Paul Valéry, Pièces sur l’Art, Paris, pp. 191-192 (“Autour de Corot”).
“As vitórias da arte parecem ser conquistadas às custas de uma perda de caráter.” Karl Marx, “Die Revolutionen von 1848 und das Proletariat”, discurso por ocasião do quarto aniversário do People’s Paper, publicado em The People’ s Paper, em 19 de abril de 1856 [in: Karl Marx als Denker, Mensch und Revolutionär, ed. org. por D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, p. 42].
O ensaio de Dolf Sternberger, “Hohe See und Schiffbruch” [Alto mar e naufrágio], Die Neue Rundschau, XLVI, 8 ago. 1935, trata das “metamorfoses de uma alegoria”. “A alegoria tornou-se um gênero. O naufrágio como alegoria significava … a transitoriedade do mundo em geral — o naufrágio como gênero é uma fresta que dá visão sobre um mundo situado além do nosso, uma fresta voltada para uma vida cheia de perigos, que não é a própria, mas que é necessária… Este gênero heróico permanece sendo o signo sob o qual começa a reorganização e a reconciliação da sociedade”, é o que se lê em uma outra passagem, com especial referência à obra de Spielhagen, Sturmflut [Mar revolto] (1877) (pp. 196 e 199).
“O conforto privado era quase desconhecido entre os gregos; esses cidadãos de pequenas cidades, que erguiam em torno de si tantos admiráveis monumentos públicos, moravam em casas mais que modestas, nas quais alguns vasos — na verdade, obras-primas da elegância — constituíam todo o mobiliário.” Ernest Renan, Essais de Morale et de Critique, Paris, 1859, p. 359 (“La poésie ä l’Exposition”). Fazer uma comparação com o caráter dos cômodos na casa de Goethe. — Cf., ao contrário, o amor pelo conforto na produção de Baudelaire.
“Embora os progressos da arte estejam longe de ser comparáveis àqueles que uma nação alcança no gosto do confortável (sou obrigado a me servir dessa palavra bárbara para exprimir uma idéia pouco francesa), pode-se dizer, sem paradoxo, que os tempos e os países nos quais o conforto se tornou o principal atrativo do público foram os menos dotados do ponto de vista da arte… A comodidade exclui o estilo; um jarro de fabricação inglesa é mais adaptado à sua função que todos os vasos gregos de Vulci ou de Nola; estes são obras de arte, enquanto o jarro inglês não será nunca senão um utensílio doméstico… Resultado incontestável: o progresso da indústria na história não é absolutamente paralelo ao da arte.” Ernest Renan, Essais de Morale et de Critique, Paris, 1859, pp. 359, 361, 363 (“La poésie ä l’Exposition”).
“O rápido superpovoamento das capitais teve como efeito … a redução da superficie dos locais. Já em seu Salon de 1828, Stendhal escrevia: ‘Há oito dias fui à Rue Godot-de-Mauroy para procurar um apartamento. Fiquei chocado com a exigüidade dos cômodos: o século da pintura passou, disse a mim mesmo, suspirando; só a gravura pode prosperar agora.'”— Amédée Ozenfant, “La peinture murale”, in: Encyclopedie Française, vol. XVI, Arts et Littératures dans la Société Contemporaine, tomo 1, pp. 70-72.
No capitulo XXIV — “Beaux-Arts”, do Argument du Livre sur la Belgique: “Especialistas. — Um pintor para o sol, um para a neve, um para o clarão da lua, um para os móveis, um para os tecidos, um para as flores — e subdivisão de especialistas ao infinito. — A colaboração necessária, como na indústria.” Baudelaire, Œuvres, vol. II, ed. org. por Y-G. Le Dantec, Paris, 1932, p. 718.
“A elevação da vida urbana à qualidade de mito significa imediatamente para os mais lúcidos uma decidida opção pela modernidade. Sabe-se que lugar este último conceito ocupa em Baudelaire… Como ele mesmo o diz, trata-se da questão ‘principal e essencial’ de saber se seu tempo possui ‘uma beleza particular, inerente às novas paixões’. Conhecemos sua resposta: é a própria conclusão de seu escrito teórico mais considerável, pelo menos quanto á sua extensão: ‘O maravilhoso nos envolve e nos sacia como a atmosfera, mas nós não o vemos… Pois os heróis da Ilíada não chegam aos nossos pés, ó Vautrin, ó Rastignac, ó Birotteau — nem aos teus, ó Fontanarès, que não ousaste contar ao público tuas dores sob o traje fúnebre e convulso que todos assumimos; — e nem aos teus, ó Honoré de Balzac, tu, o mais heróico, o mais singular, o mais romântico e o mais poético entre todos os personagens que tiraste do teu seio.’ (Baudelaire, Salon de 1846, cap. XVIII).” Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française, XXV, nº. 284, 1 maio 1937, pp. 690-691.
No capítulo XXIV — “Beaux-Arts” do Argument du Livre sur la Belgique: “Algumas páginas sobre este infame puffiste [charlatão] que se chama Wiertz, paixão dos turistas ingleses.” Baudelaire, Œuvres, vol. II, ed. org. por Y-G. Le Dantec, Paris, 1932, p. 718. E na p. 720: “Pinturas independentes. — Wiertz. Charlatão. Idiota. Ladrão… / Wiertz, o pintor filósofo literato. Tagarelices modernas. O Cristo dos humanitários… / Tolice análoga à de Victor Hugo, no final das Contemplations. / Abolição da pena de morte. / Poder infinito do homem… / As inscrições nos muros. Graves ofensas contra os críticos franceses e a França. Sentenças de Wiertz por todo lado… Bruxelas, capital do mundo. Paris província… / Os livros de Wiertz. Plágios. Ele não sabe desenhar, e sua estupidez é tão grande quanto seus colossos. / Em suma, esse charlatão soube fazer seus negócios. Mas o que Bruxelas fará de tudo isso, depois de sua morte? / Os trompe-l’oeil. / A Bofetada. / Napoleão no Inferno. / O Leão de Waterloo. / Wiertz e Victor Hugo querem salvar a humanidade.”
Ingres, Réponse au Rapport sur l’École des Beaux-Arts, Paris, 1863, defende as instituições da Escola diante do ministro das Belas-Artes, a quem é dirigida a resposta, da forma mais áspera. Ele não se posiciona contra o Romantismo. Desde o começo (p. 4), refere-se à indústria: “Agora querem misturar a indústria à arte. A indústria! Nós não queremos isso! Que ela fique onde está e não venha se instalar nos degraus de nossa escola…!” Ingres insiste na importância do desenho como fundamento exclusivo do ensino da pintura. Lidar com cores é algo que se aprenderia em uma semana.
Daniel Halévy relata que, em sua infância, modelos italianas — mulheres em trajes típicos de Sorrento, com um tamborim na mão — ficavam tagarelando em torno da fonte da Place Pigalle. (Cf. Halévy, Pays Parisiens, Paris, 1932, p. 60).
As “mães malvadas” de Segantini, enquanto tema do Jugendstil, são parentes próximas das lesbiennes. A mulher depravada mantém-se longe da fertilidade, assim como mantém-se longe dela o sacerdote. De fato, o Jugendstil descreve duas linhas distintas. A da perversão conduz de Baudelaire a Wilde e Beardsley; a linha hierática vai de Mallarmé a George. Finalmente, delineia-se mais fortemente uma terceira linha, a única que extrapolou o domínio da arte. Trata-se da linha da emancipação que, partindo das Fleurs du Mal, liga os subterrâneos de onde surgiu o Tagebuch einer Verlorenen [Diário de uma Garota Perdida] aos pontos culminantes de Zaratustra (Este é o sentido que se pode atribuir à observação de Capus).
Fórmulas da emancipação em Ibsen: a exigência ideal; morrer de forma bela; residências para seres humanos [cf. I 4, 4]; responsabilidade própria (da Dama do Mar).
A idéia do eterno retorno em Zaratustra é, segundo sua verdadeira natureza, uma estilização da concepção do mundo que Blanqui apresenta ainda em seus traços infernais. É uma estilização da existência até os mínimos fragmentos de seu decurso temporal. Não obstante, o estilo de Zaratustra é desmentido pela doutrina exposta nesta obra.
Os três “temas” nos quais se manifesta o Jugendstil: o tema hierático, o tema da perversão, o tema da emancipação. Todos eles têm seu lugar nas Fleurs du Mal; a cada um deles pode-se atribuir um poema representativo do livro. Para o primeiro, “Bénédiction”, para o segundo, “Delphine et Hippolyte”, para o terceiro, “Les litanies de Satan”.
Zaratustra apropriou-se em primeiro lugar dos elementos tectônicos do Jugendstil, em contraste com seus temas orgânicos. Particularmente as pausas, que são características de seu ritmo, são um contraponto exato ao fenômeno tectônico básico desse estilo, que é a predominância da forma vazia sobre a forma cheia.
O Jugendstil força o aurático. Nunca o sol sentiu-se melhor em sua auréola radiante; nunca o olho humano foi mais brilhante do que em Fidus. Maeterlinck leva o desenvolvimento do aurático até o absurdo. O silêncio dos personagens dramáticos é uma de suas formas de expressão. A “Perte d’auréole”, de Baudelaire, opõe-se a este tema do Jugendstil da maneira mais categórica.
O Jugendstil é a segunda tentativa da arte de confrontar-se com a técnica. A primeira foi o Realismo. Neste, o problema se situava mais ou menos na consciência dos artistas. Eles ficaram inquietos com os novos procedimentos da técnica de reprodução. (A teoria do Realismo comprova isto; cf. S 5, 5.) No Jugendstil, o problema como tal já havia sido recalcado. Ele não se considerava mais ameaçado pela concorrência da técnica. Assim o confronto com a técnica que está oculto no Jugendstil se tornou tão mais agressivo. Sua recorrência a temas técnicos advém da tentativa de esterilizá-los através da ornamentação. (Alias, isto conferiu excepcional significado político ao combate que Adolf Loos empreendeu contra o ornamento.)
O luto que o outono desperta em Baudelaire. E, a época da colheita, a época em que as flores se desfazem. O outono é invocado por Baudelaire com particular solenidade. Ao outono dedica os versos que talvez sejam os mais melancólicos de seus poemas. A respeito do sol diz o seguinte:
Ele “manda as colheitas crescerem e amadurecerem
No coração imortal que sempre quer florir!”
Com a figura do coração que não quer dar frutos, Baudelaire deu seu veredito sobre o Jugendstil muito antes de seu surgimento.
“Esta procura pela minha casa … foi o meu castigo… Onde está — minha casa? Eis o que pergunto e procuro, e procurava, e não encontrei. Ó eterno todo lugar, ó eterno nenhures.” Cit. de Zarathustra, em Löwith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft, Berlim, 1935, p. 35 (cf. epígrafe de Rilke, S 4a, 2), ed. Kröner, p. 398.
Pode-se supor que na linha típica do Jugendstil não raro se encontram — reunidos em uma montagem da imaginação — o nervo e o fio elétrico (e que o sistema nervoso vegetativo em particular, como forma limítrofe, serve de intermediário entre o mundo do organismo e a técnica). “O culto aos nervos do fin-de-siècle preservou esta imagem telegráfica, e a respeito de Strindberg, sua segunda mulher, Frida…, escreveu que seus nervos eram tão sensíveis à eletricidade da atmosfera que uma tempestade se transmitia a eles como que por fios telegráficos.” Dolf Sternberger, Panorama, Hamburgo, 1938, p. 33.
No Jugendstil, a burguesia começa a confrontar-se com as condições não ainda de seu domínio social, mas de seu domínio sobre a natureza. A percepção destas condições começa a exercer uma pressão sobre o limiar de sua consciência. Daí o misticismo (Maeterlinck) que procura atenuar essa pressão; mas daí também a recepção de formas técnicas no Jugendstil, p. e., o espaço vazio.
O capítulo de Zaratustra intitulado “Unter Töchtern der Wüste” [“Entre filhas do deserto”] é revelador, não apenas porque aparecem em Nietzsche as meninas florais — um tema importante do Jugendstil mas também pela afinidade entre Nietzsche e Guys. A passagem “profundas, mas sem pensamentos” descreve exatamente a expressão das prostitutas neste último.
O ponto culminante da organização técnica do mundo consiste na liquidação da fertilidade. O ideal de beleza do Jugendstil é constituído pela mulher frígida. (O Jugendstil vê em cada mulher não Helena, e sim Olímpia.
O indivíduo, o grupo, a massa — o grupo é o princípio do gênero; o isolamento do indivíduo é típico do Jugendstil (cf. Ibsen).
O Jugendstil é um progresso na medida em que a burguesia se aproxima dos fundamentos técnicos de seu domínio sobre a natureza; um retrocesso, na medida em que lhe falta a força para ainda olhar o cotidiano de frente. (Isto só é possível sob a proteção da mentira da vida. ) – A burguesia sente que não tem muita vida pela frente, uma razão a mais para ela querer ser jovem. Assim, ela imagina para si uma vida mais longa, ou pelo menos uma bela morte.
Segantini e Munch; Margarete Böhme e Przybyszewski.
A filosofia do “Como Se” de Vaihinger é o toque de agonia do Jugendstil.
“Com as primeiras obras de Hennebique e dos irmãos Perret, um novo capítulo se abriu na história da arquitetura. O desejo de evasão, de renovação, exprimia-se, aliás, nas tentativas de escola do Modern Style, que fracassou deploravelmente. Parece que esses autores torturaram a pedra até seu esgotamento e prepararam com isso uma reação feroz em favor da simplicidade. A arte da arquitetura devia renascer em formas serenas pela exploração de materiais novos.” Marcel Zahar, “Les tendances actuelles de l’architecture”, in: Encyclopédie Française, XVII, p. 17. 10-3/4.
Em seus Salões, Baudelaire revelou-se um inimigo intransigente do gênero. Baudelaire situa-se no início do Jugendstil, que representa uma tentativa de liquidar o gênero. Nas Fleurs du Mal, o Jugendstil se manifesta pela primeira vez com seu tema floral característico.
A seguinte passagem de Valéry (Œuvres Complètes, J, cit. em Thérive, Le Temps, 20 abr. 1939) pode ser lida como uma réplica a Baudelaire: “O homem moderno é escravo da modernidade… Em breve será necessário construir celas rigorosamente isoladas… Aí serão desprezados a velocidade, o número, os efeitos de massa, de surpresa, de contraste, de repetição, de novidade e de credulidade.”
Sobre a sensação: este arranjo — a novidade e a depreciação que a atinge como um choque — encontrou desde meados do século XIX uma expressão particularmente drástica. A moeda usada nada perde de seu valor; o selo carimbado é depreciado. É sem dúvida o primeiro valor cuja validade é indissociável de seu caráter de novidade. (O reconhecimento do valor coincide aqui com a desvalorização.)
Sobre o tema da infertilidade no Jugendstil: considerava-se a concepção como a maneira mais indigna de subscrever o lado animal da criação.
Conceber o “não” como a antítese do “planejado”. A propósito do piano, comparar Lesabéndio, de Scheerbart: estamos todos tão cansados porque não temos nenhum plano.
“Novidade. Vontade de novidade. O novo é um daqueles venenos excitantes que acabam sendo mais necessários que qualquer alimento, e cuja dose é preciso aumentar sempre, uma vez que são nossos senhores, e torná-la mortal porque sem ela morreríamos. É estranho prender-se assim à parte perecível das coisas, que é exatamente sua qualidade de serem novas.” Paul Valéry, Choses Tues, Paris, 1930, pp. 14-15.
Passagem decisiva sobre a aura em Proust. Ele fala de sua viagem a Balbec e comenta que ela provavelmente poderia ser feita hoje em dia de automóvel, e que isto até teria algumas vantagens: “Mas, enfim, o prazer específico da viagem não é poder descer durante o percurso…, mas tornar a diferença entre a partida e a chegada não tão imperceptível, mas tão profunda quanto possível, de forma que se possa senti-la intacta, tal como era em nosso pensamento quando nossa imaginação nos levou do lugar em que vivíamos até o coração de um lugar desejado, num salto que nos parecia menos miraculoso por vencer uma distância do que por unir duas individualidades distintas da terra, por nos levar de um nome a outro nome; e esquematizar (melhor que um passeio em que, como se desembarca onde se quer, não há mais chegada) a operação misteriosa que se cumpria nesses lugares especiais, as estações ferroviárias, que não fazem parte, por assim dizer, da cidade, mas contém a essência de sua personalidade, assim como em uma placa de sinalização trazem seu nome… Infelizmente esses lugares maravilhosos que são as estações, de onde se parte para um destino longínquo, são também lugares trágicos, porque … é preciso deixar para trás qualquer esperança de voltar e deitar-se em casa, uma vez que se decidiu penetrar no antro empesteado por onde se chega ao mistério, numa dessas grandes oficinas envidraçadas, como a de Saint-Lazare, onde eu ia pegar o trem de Balbec, e que desenrolava por cima da cidade dilacerada um desses imensos céus, nus e pesados com ameaças carregadas de drama, como alguns céus pintados com uma modernidade quase parisiense, de Mantegna ou de Veronesi, e sob o qual não podia se cumprir senão algum ato terrível e solene como a partida em uma estrada de ferro ou a elevação da Cruz.” Marcel Proust, À l’Ombre des Jeunes Filles en Fleurs, vol. II, Paris, pp. 62-63.
Proust sobre o museu: “Em todo gênero, nosso tempo tem a mania de querer sempre mostrar as coisas com aquilo que as envolve na realidade, e de assim suprimir o essencial: o ato de espírito que as isolou da realidade. ‘Apresenta-se’ um quadro no meio de móveis, de bibelôs, de tapeçarias da mesma época, insípida decoração … no meio da qual a obra-prima, que se observa enquanto se janta, não nos proporciona a mesma embriagante alegria que só se pode esperar numa sala de museu, a qual simboliza bem melhor, por sua nudez e seu despojamento de todas as particularidades, os espaços interiores onde o artista se retirou para criar.” Marcel Proust, A l’Ombre des Jeunes Filles en Fleur, vol. II, Paris, pp. 62-63.
Como a modernidade se torna Jugendstil?
Campo de batalha ou feira? “Lembramo-nos que outrora havia, nas letras, um movimento de atividade generosa e desinteressada. Dizem que havia escolas e chefes de escola, partidos e chefes de partido, sistemas em luta, correntes e contracorrentes de idéias…, uma vida literária ardente, militante… Ah! sei que por volta de 1830 todas as pessoas de letras se vangloriavam de serem os soldados de uma expedição, e que não pediam como publicidade, à sombra de uma bandeira, senão os sonoros apelos do campo de batalha… O que nos resta hoje desse espetáculo de bravura? Nossos predecessores combatiam, e nós, nós fabricamos e vendemos. O que vejo de mais claro, na desordem em que estamos, é que no lugar do campo de batalha há uma miríade de boutiques e ateliês onde se vendem e se fabricam, a cada dia, as novas modas e tudo o que em geral se chama o artigo-Paris.” “Sim, MODISTA é a palavra que convém à nossa geração de pensadores e de sonhadores.” Hippolyte Babou. Les Payens Innocents, Paris, 1858, pp. VII-VIII (“Lettre à Charles Asselineau”).