[S 2, 1]

O coletivo que sonha ignora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo um curso sempre idêntico e sempre novo. Com efeito, a sensação do mais novo, do mais moderno, é tanto uma forma onírica dos acontecimentos quanto o eterno retorno do sempre igual. A percepção do espaço que corresponde a esta percepção do tempo é a transparência da interpenetração e superposição do mundo do flâneur. Estas sensações de espaço e de tempo foram o berço para a escrita folhetinesca moderna. ■ Coletivo onírico

[S 2, 3]

É muito significativo que Hofmannsthal denomine esta “forma de ser-de-alguma-maneira-um-só” uma existência na esfera da morte. Daí a imortalidade de seu “noviço”, o personagem de novela sobre o qual conversou comigo em nosso último encontro, e que deveria atravessar as diferentes religiões ao longo dos séculos como se atravessasse a seqüência de cômodos de uma única moradia. Como, no espaço restrito de uma única vida, esta “forma de ser-de-alguma-maneira-um-só” com o ocorrido conduz à esfera da morte — isto ficou evidente para mim, em 1930, durante uma conversa sobre Proust. Ele certamente não elevou o homem, apenas o analisou. A grandeza moral de Proust, entretanto, reside em um campo bastante diferente. Com uma paixão desconhecida aos escritores que o antecederam, ele escolheu como sua causa a fidelidade às coisas que atravessaram a nossa existência. Fidelidade a uma tarde, a uma árvore, a uma mancha de sol sobre o tapete, fidelidade a roupas, móveis, a perfumes ou paisagens. (A descoberta que faz finalmente a caminho de Méséglise é o mais elevado ensinamento moral que Proust deixou: uma espécie de transposição espacial do semper idem.) Reconheço que Proust, no sentido mais profundo, peut-être se range du côté de la mort [talvez se coloque do lado da morte]. Seu cosmos talvez tenha como sol a morte, ao redor da qual gravitam os momentos vividos, as coisas recolhidas. Além do principio do prazer é provavelmente o melhor comentário que existe a respeito das obras de Proust. É preciso, para entender Proust, partir talvez da idéia de que seu objeto é o reverso, le revers — moins du monde que de la vie même — [menos do mundo que da própria vida].

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[S 2, 5]

III jugendstil

“Talvez nenhum simulacro tenha criado um conjunto de objetos aos quais se aplique com maior propriedade o conceito de ideal que o grande simulacro constituído pela perturbadora arquitetura ornamental do Modern Style. Nenhum esforço coletivo chegou a criar um mundo de sonho tão puro e tão inquietante quanto esses edifícios modern style, os quais, à margem da arquitetura, constituem por si mesmos verdadeiras realizações de desejos solidificados, nos quais o mais violento e cruel automatismo revela dolorosamente o ódio da realidade e a necessidade de refúgio num mundo ideal, à maneira do que se passa numa neurose infantil.” Salvador Dalí, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1, Paris, 1930, p. 12. ■ IndústriaReclame ■

[S 2a, 1]

III jugendstil

“Eis o que podemos ainda amar: o bloco imponente desses edifícios delirantes e frios espalhados em toda a Europa, desprezados e negligenciados pelas antologias e pelos estudos.” Salvador Dalí, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1, Paris, 1930, p. 12. Talvez cidade alguma contenha exemplos mais perfeitos deste Jugendstil do que Barcelona, nos edifícios do arquiteto que projetou a igreja da Sagrada Família.

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[S 2a, 2]

III novidade

>Wiesengrund cita e comenta uma passagem de A Repetição, de Kierkegaard: “Sobe-se ao primeiro andar de uma casa iluminada a gás, abre-se uma pequena porta e eis a entrada. À esquerda, tem-se uma porta de vidro que conduz a um gabinete. Segue-se em frente e chega-se a uma ante-sala. Depois dela, dois quartos de igual tamanho, de mobília como se um dos quartos estivesse sendo refletido no espelho.” A propósito desta passagem — Kierkegaard, Gesammelte Werke, vol. III <Furcht und Zittern, Wiederholung [Temor e tremor, A repetição]>, Iena, 1909, p. 138 — que continua a citar, Wiesengrund comenta: “A duplicação do quarto que aparece refletido, sem de fato estar refletido, tem algo de insondável: assim como estes quartos, talvez toda aparência na história seja igual a si mesma, enquanto ela própria, escrava da natureza, persistir na aparência.” Wiesengrund-Adorno. Kierkegaard, Tübingen, 1933, p. 50. ■ EspelhoIntérieur

[S 2a, 4]

III jugendstil

Após a Comuna: “A Inglaterra acolheu os proscritos e fez de tudo para retê-los: por ocasião da Exposição de 1878, foi possível perceber que ela acabava de tirar da França e de Paris o primeiro lugar nas indústrias da arte. Se o Modern Style voltou à França em 1900, isso talvez tenha sido uma conseqüência longínqua da maneira bárbara pela qual foi reprimida a Comuna.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 437.

[S 2a, 5]

III jugendstil

“Quis-se criar um estilo eclético. As influências estrangeiras favoreceram o Modern Style, quase exclusivamente inspirado na decoração floral. Seguia-se o modelo dos pré-rafaelistas ingleses e dos urbanistas de Munique. À construção em ferro sucedeu o cimento armado. Para a arquitetura, esse foi o ponto mais baixo da curva, que coincidiu com a mais profunda depressão política. Foi nesse momento que Paris recebeu suas casas e seus monumentos mais bizarros, os que menos harmonizavam com a cidade antiga: a casa de estilo compósito construída pelo Sr. Bouwens no n° 27 do Quai d’Orsay, os abrigos do metrô, a loja de departamentos La Samaritaine, erguida pelo Sr. Frantz Jourdain no meio da paisagem histórica do bairro Saint-Germain l’Auxerrois.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 465.

[S 2a, 6]

III jugendstil

“O que o Sr. Arsène Alexandre então chama de ‘o encanto profundo das serpentinas agitadas pelo vento’ é o estilo polvo, a cerâmica verde e mal cozida, as linhas forçadas e esticadas em ligamentos tentaculares, a matéria torturada em vão… A moranga, a abóbora, a raiz de malva, a voluta de fumaça inspiram um mobiliário ilógico sobre o qual vêm pousar a hortênsia, o morcego, a angélica, a pena de pavão, invenções de artistas presos à má paixão pelo símbolo e pelo poema… Numa época de luz e de eletricidade, o que triunfa é o aquário, o esverdeado, o submarino, o híbrido, o venenoso.” Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 101-103.