Crítica à doutrina do eterno retorno: “Como estudioso das ciências naturais, … Nietzsche é um diletante que filosofa, e como fundador de religião, um ‘híbrido de doença e vontade de poder’.” [Prefácio a Ecce Homo], (p. 83) “Toda esta doutrina parece ser nada mais que um experimento da vontade humana e uma tentativa de perpetuar o nosso fazer e não fazer, um substituto ateísta da religião. A isto corresponde o estilo da prédica e a composição de Zaratustra, que muitas vezes imita o Novo Testamento nos mínimos detalhes.” (pp. 86- 87) Karl Löwith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935.
III jugendstil
[S 2a, 1]
“Eis o que podemos ainda amar: o bloco imponente desses edifícios delirantes e frios espalhados em toda a Europa, desprezados e negligenciados pelas antologias e pelos estudos.” Salvador Dalí, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1, Paris, 1930, p. 12. Talvez cidade alguma contenha exemplos mais perfeitos deste Jugendstil do que Barcelona, nos edifícios do arquiteto que projetou a igreja da Sagrada Família.
[S 2a, 4]
Após a Comuna: “A Inglaterra acolheu os proscritos e fez de tudo para retê-los: por ocasião da Exposição de 1878, foi possível perceber que ela acabava de tirar da França e de Paris o primeiro lugar nas indústrias da arte. Se o Modern Style voltou à França em 1900, isso talvez tenha sido uma conseqüência longínqua da maneira bárbara pela qual foi reprimida a Comuna.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 437.
[S 2a, 5]
“Quis-se criar um estilo eclético. As influências estrangeiras favoreceram o Modern Style, quase exclusivamente inspirado na decoração floral. Seguia-se o modelo dos pré-rafaelistas ingleses e dos urbanistas de Munique. À construção em ferro sucedeu o cimento armado. Para a arquitetura, esse foi o ponto mais baixo da curva, que coincidiu com a mais profunda depressão política. Foi nesse momento que Paris recebeu suas casas e seus monumentos mais bizarros, os que menos harmonizavam com a cidade antiga: a casa de estilo compósito construída pelo Sr. Bouwens no n° 27 do Quai d’Orsay, os abrigos do metrô, a loja de departamentos La Samaritaine, erguida pelo Sr. Frantz Jourdain no meio da paisagem histórica do bairro Saint-Germain l’Auxerrois.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 465.
[S 2a, 6]
“O que o Sr. Arsène Alexandre então chama de ‘o encanto profundo das serpentinas agitadas pelo vento’ é o estilo polvo, a cerâmica verde e mal cozida, as linhas forçadas e esticadas em ligamentos tentaculares, a matéria torturada em vão… A moranga, a abóbora, a raiz de malva, a voluta de fumaça inspiram um mobiliário ilógico sobre o qual vêm pousar a hortênsia, o morcego, a angélica, a pena de pavão, invenções de artistas presos à má paixão pelo símbolo e pelo poema… Numa época de luz e de eletricidade, o que triunfa é o aquário, o esverdeado, o submarino, o híbrido, o venenoso.” Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 101-103.
[S 3, 2]
“Pareceu-me interessante que um número de revista [Nota: Minotaure, n° 3-4] onde foram apresentados alguns admiráveis exemplos da arte Modern Style, reunisse também um certo número de desenhos medianímicos… Na verdade, é inevitável que fiquemos chocados com as afinidades entre as tendências desses dois modos de expressão: o que é o modern style, eu me pergunto, senão uma tentativa de generalização e adaptação do desenho, da pintura e da escultura medianímicos à arte imobiliária e mobiliária? Encontra-se aí a mesma disparidade nos detalhes, a mesma impossibilidade de se repetir, que leva justamente à verdadeira, à cativante estereotipia; encontra-se o mesmo deleite colocado na curva que nunca acaba, como a da samambaia nascente, a do caracol ou a do enrodilhado embrionário, cuja observação, aliás excitante, desvia do prazer do conjunto… Pode-se afirmar, então, que os dois empreendimentos são concebidos sob o mesmo signo, que poderia bem ser o do polvo, ‘do polvo’, como disse Lautréamont, ‘de olhar de seda’. De uma parte a outra é, plasticamente, até no traço, o triunfo do equívoco; do ponto de vista da interpretação é, até no insignificante, o triunfo do complexo. Mesmo o empréstimo, contínuo até o fastio, de temas — acessórios ou não — ao mundo vegetal, é comum a esses dois modos de expressão, que em princípio respondem a necessidades de exteriorização tão distintas. E eles compartilham também uma certa propriedade que eles têm de evocar superficialmente … certas produções da antiga arte asiática ou americana.” André Breton, Point du Jour, Paris, 1934, pp. 234-236.
[S 3a, 1]
“Assim como os móveis atraem-se uns aos outros — o entorno do sofá e a chapeleira são o resultado de tais uniões! — igualmente as paredes, o assoalho e o teto parecem ser possuídos por uma singular capacidade de atração. Os móveis tornam-se cada vez mais intransportáveis, aninham-se nas paredes e nos cantos, prendem-se ao assoalho e fincam raízes… Obras de arte ‘livres’, quadros pendurados e esculturas expostas são eliminados na medida do possível; desta tendência origina-se o desenvolvimento da pintura mural, do afresco, da tapeçaria decorativa e da pintura em vidro… Todo o conteúdo permanente da casa é subtraído desta maneira do mercado de troca; o próprio morador é privado de sua liberdade de circular e fica preso ao solo e à propriedade.” Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, pp. 264-266.
[S 3a, 2]
“Por intermédio do contorno voluptuoso e poderoso … a figura da alma se torna ornamento… Maeterlinck, em Le Trésor des Humbles [O tesouro dos humildes], celebra o silêncio, o silêncio que não se origina do arbítrio de dois indivíduos, mas flui e cresce como um terceiro ser, um ser particular, que enlaça os amantes, selando desta maneira sua união: assim tal invólucro de silêncio manifesta-se claramente como uma forma de contorno ou como uma forma verdadeiramente animada do ornamento.” Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 270.
[S 3a, 3]
“Assim, cada casa parece … ser um organismo que expressa seu interior no exterior, e Van de Velde revela … claramente o modelo de sua concepção visionária da cidade dos caracteres… ‘Quem, ao contrário, objetar que isto seria um selvagem carnaval…, deve lembrar-se da impressão harmoniosa e prazerosa provocada por um jardim com plantas terrestres e aquáticas desenvolvendo-se livremente.’ Se a cidade é um jardim cheio de organismos habitacionais crescendo livremente, falta completamente nesta visão o lugar que o homem deve ocupar nela, a menos que ele ficasse preso no interior dessas plantas, ele próprio enraizado e preso ao solo — à terra ou à água —, como se estivesse incapacitado por um feitiço (metamorfose) de mover-se de maneira diferente do que a planta que o envolve e emoldura… Como um corpo astral, tal como o viu e vivenciou Rudolf Steiner…, cuja escola deu a muitas de suas produções uma consagração ornamental, com signos curvilíneos que nada mais são do que vestígios dos ornamentos do Jugendstil.” Cf. a epígrafe do ensaio, Ovídio, Metamorfoses, livro III, versos 509-510: “O corpo desaparecera. Mas em vez do corpo, uma flor / Amarela como o açafrão adornado de folhas brancas.” Sternberger. “Jugendstil”, loc. cit., pp. 268-269 e 254.
[S 4, 1]
O seguinte olhar sobre o Jugendstil é muito problemático, pois nenhuma manifestação histórica pode ser concebida somente sob a categoria da fuga; esta carrega sempre, de forma concreta, a marca daquilo de que se foge. “O que permanece fora … é o burburinho das cidades, a fúria monstruosa, não dos elementos, e sim das indústrias, o poder onipresente da moderna economia de mercado, o mundo das empresas, do trabalho tecnológico e das massas, que parecia aos exponentes do Jugendstil como um alarido geral, sufocante e caótico.- Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 260.
[S 4, 2]
[S 4, 4]
O Jugendstil e a política social de habitação. “A arte que virá será mais pessoal do que qualquer uma que a precedeu. Em época alguma o desejo do homem por autoconhecimento foi tão forte, e o lugar por excelência onde ele pode viver e transfigurar sua própria individualidade é a casa, que cada um de nós construirá segundo seu desejo… Em cada um de nós dormita uma capacidade de invenção ornamental suficientemente grande, de modo que não precisamos lançar mão de nenhum intermediário para construir nossa casa.” Após esta citação extraída de Renaissance im modernen Kunstgewerbe, de Van de Velde, Karski prossegue: “Para qualquer um que leia este texto deve ficar absolutamente claro que este ideal não pode ser alcançado na nossa sociedade atual e que sua realização fica reservada ao socialismo.” J. Karski, “Moderne Kunstströmungen und Sozialismus”, Die Neue Zeit, XX, n° 1, Stuttgart, pp. 146-147.
[S 4, 5]
[S 4, 6]
Assim como Ibsen, em Solness, o Construtor, faz o julgamento da arquitetura do Jugendstil, assim o faz a respeito de seu tipo de mulher em Hedda Gabler. Ela é a irmã dramática das diseuses e dançarinas que aparecem nuas nos cartazes do Jugendstil, sem pano de fundo real, com uma devassidão ou inocência floral.
[S 4a, 1]
[S 4a, 2]
[S 4a, 3]
“A rua de Paris”, na Exposição universal de 1900, em Paris, realiza de maneira extrema a idéia de casa própria característica do Jugendstil: “Aqui foi construída uma longa fileira de edifícios de formas muito diversas… O jornal satírico Le Rire construiu um teatro de marionetes… Loie Fuller, que inventou a dança serpentina, possui uma casa neste conjunto. Não muito longe dali, há uma casa que parece estar de ponta-cabeça, com o telhado fincando raízes na terra e as portas com suas soleiras apontando para o céu; chama-se ‘A Torre dos Milagres’… A idéia, em todo o caso, é original.” Th. Heine, “Die Straße von Paris”, in: Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild, ed. org. por Georg Malkowsky, Berlim, 1900, p. 78.
[S 5a, 1]
É necessário prestar atenção à relação entre Simbolismo e Jugendstil, o que aponta para o lado esotérico deste último. Thérive escreve na resenha sobre o livro de Édouard Dujardin, Mallarmé par un des Siens, Paris, 1936: “No prefácio astucioso que escreveu para o livro de Édouard Dujardin, o Sr. Jean Cassou explica que o Simbolismo era um empreendimento místico e mágico, e que colocava o eterno problema do jargão, ‘gíria sofisticada, onde se expressa a vontade de ausência e de evasão da casta artística’… O Simbolismo se prestava sobretudo aos jogos meio paródicos do sonho, às formas ambíguas, e o comentarista chega a dizer que a mistura de esteticismo e mau gosto no estilo do Chat Noir (caf’ conc’ [para café concert], mangas tufadas, orquídeas e penteados com tiaras) foi uma combinação refinada, necessária.” André Thérive, “Les livres”, Le Temps, 25 jun. 1936.
[S 7a, 3]
[S 7a, 5]
[S 7a, 6]
[S 8, 1]
Fórmulas da emancipação em Ibsen: a exigência ideal; morrer de forma bela; residências para seres humanos [cf. I 4, 4]; responsabilidade própria (da Dama do Mar).
[S 8, 2]
[S 8, 4]
Os três “temas” nos quais se manifesta o Jugendstil: o tema hierático, o tema da perversão, o tema da emancipação. Todos eles têm seu lugar nas Fleurs du Mal; a cada um deles pode-se atribuir um poema representativo do livro. Para o primeiro, “Bénédiction”, para o segundo, “Delphine et Hippolyte”, para o terceiro, “Les litanies de Satan”.
[S 8, 5]
Zaratustra apropriou-se em primeiro lugar dos elementos tectônicos do Jugendstil, em contraste com seus temas orgânicos. Particularmente as pausas, que são características de seu ritmo, são um contraponto exato ao fenômeno tectônico básico desse estilo, que é a predominância da forma vazia sobre a forma cheia.
[S 8, 8]
O Jugendstil força o aurático. Nunca o sol sentiu-se melhor em sua auréola radiante; nunca o olho humano foi mais brilhante do que em Fidus. Maeterlinck leva o desenvolvimento do aurático até o absurdo. O silêncio dos personagens dramáticos é uma de suas formas de expressão. A “Perte d’auréole”, de Baudelaire, opõe-se a este tema do Jugendstil da maneira mais categórica.
[S 8a, 1]
O Jugendstil é a segunda tentativa da arte de confrontar-se com a técnica. A primeira foi o Realismo. Neste, o problema se situava mais ou menos na consciência dos artistas. Eles ficaram inquietos com os novos procedimentos da técnica de reprodução. (A teoria do Realismo comprova isto; cf. S 5, 5.) No Jugendstil, o problema como tal já havia sido recalcado. Ele não se considerava mais ameaçado pela concorrência da técnica. Assim o confronto com a técnica que está oculto no Jugendstil se tornou tão mais agressivo. Sua recorrência a temas técnicos advém da tentativa de esterilizá-los através da ornamentação. (Alias, isto conferiu excepcional significado político ao combate que Adolf Loos empreendeu contra o ornamento.)
[S 8a, 2]
[S 8a, 3]
[S 8a, 5]
[S 8a, 6]
[S 8a, 7]
[S 9, 1]
O luto que o outono desperta em Baudelaire. E, a época da colheita, a época em que as flores se desfazem. O outono é invocado por Baudelaire com particular solenidade. Ao outono dedica os versos que talvez sejam os mais melancólicos de seus poemas. A respeito do sol diz o seguinte:
Ele “manda as colheitas crescerem e amadurecerem
No coração imortal que sempre quer florir!”
Com a figura do coração que não quer dar frutos, Baudelaire deu seu veredito sobre o Jugendstil muito antes de seu surgimento.