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PROBLEMA DA PERCEPÇÃO

Em Berlim, disse-se numa expressão familiar de alguém que se considera insano: é natural de Dalldorf, em Viena: … é natural de Steinhoff, em Paris, falando no mesmo sentido de Charenton. Por toda a parte, portanto, permanece viva a percepção de que a expulsão da comunidade, a desintegração completa do elo entre a comunidade e cada pessoa seria constitutiva da doença mental. Do mesmo modo, talvez não seja por acaso que os sanatórios para os doentes não se encontram, como outros hospitais, no interior das cidades.

Afortunados em contos de fadas vêem jardins encantados onde outras pessoas nada reparam, eles se deparam com tesouros onde outros passam distraídos. Isso não pode ser entendido, que os jardins encantados ou os próprios tesouros sejam invisíveis para outras pessoas, mas tornam-se visíveis para os afortunados, ou que repentinamente diante de tais coisas a percepção de outra criatura esmoreça, porém a dos afortunados se intensifica. Neste ponto, a única intenção possível é senão que os afortunados teriam uma percepção mais aguçada do que a das pessoas comuns, sendo que nenhuma delas é falsa, por conseguinte nenhuma delas é verdadeira. A percepção não é afetada por esta alternativa.

PERCEPÇÃO E CORPO VIVO

Através de nossa corporalidade, mais precisamente através de nosso próprio corpo vivo, nós estamos no mundo da percepção, inseridos assim em uma das mais altas camadas da linguagem. Contudo cegos, geralmente incapazes, aqui como corpo vivo natural, de distinguir com precisão a aparência do ser da forma messiânica. É muito significativo que o próprio corpo vivo nos seja inacessível em tantos aspectos: não podemos ver nosso rosto, nossas costas, nem nossa cabeça por inteiro; portanto, a parte mais nobre do corpo vivo nós não podemos apanhar com as próprias mãos, não podemos abarcar, entre outras coisas. Nós nos destacamos no mundo da percepção com os pés, não com a cabeça. Daí a necessidade de que nosso corpo vivo nos transforme no instante da pura percepção; daí o martírio sublime da excentricidade em seu corpo vivo.

Há uma história da percepção, que é por fim a história do mito. O corpo vivo daquele que percebe nem sempre foi apenas as coordenadas verticais à horizontal da terra. A maneira ereta de andar conquistada gradualmente pelos seres humanos proporciona agora o predomínio de outros modos de percepção. Mas, de resto, isto não só é possível como necessário. Nem sempre o conhecimento das distâncias formais irá dominar a percepção visual (Caso de uma criança que, sem órgãos de apreensão fixados num dado local, forma o seu mundo visual: uma outra hierarquia de distâncias). A história da percepção se deu a partir dos elementos da mudança da natureza e da mudança do corpo vivo, mas somente ela dá a estes elementos o significado espiritual e coroação (realização, síntese) no mito. Nele constroem-se e transformam-se lentamente as grandes disposições da percepção que determinam o modo como se confrontam corpo vivo e natureza: direita, esquerda – acima, abaixo – para frente, para trás.

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DOIS CASAIS são elementos, dois amigos, os líderes da comunidade.

A amizade pertence à ordem da solidão do destino. Na anarquia. – Só aí tem ela a sua essência segundo a posição dominante. Amizade e amor não diferem em si mesmos, apenas em sua posição para a comunidade. E, além disso, não há naturalmente nenhum sacramento transferido da amizade à ordem divina. Isto é o inaudito, o que torna a amizade perigosa: uma relação determinada livre de sacramento.

A sociedade moderna de modo algum conhece a amizade, ela é própria do helenismo, no qual o gênio alcançou a forma histórica mais pura. A amizade também desempenha um papel importante na mitologia do gênio. Ela desempenha um papel no judaísmo?

O que hoje é chamado amizade não merece este nome. Ela teria que sucumbir ao parâmetro pseudo-religioso atual (mas também ao religioso?).

Como amizade e amor se confrontam na ordem do gênio?

SOBRE O MATRIMÔNIO

Eros, o amor, possui a única direção para a morte comum dos amantes. Ele se desenrola como o fio num labirinto que tem seu centro na “câmara da morte”. Só aí sobrevém ao amor a realidade do gênero, onde a própria agonia se tornaria a luta do amor. Em contrapartida, o genérico em si mesmo escapa à morte própria e à vida própria, e chama às cegas a morte alheia e a vida alheia nesta evasão. Ele se dirige para o nada nessa desgraça, onde a vida é apenas uma não-morte e a morte é apenas uma não-vida. Assim deve o barco do amor passar entre a Cila da morte e a Caríbdis da desgraça, e isso nunca seria possível se Deus, nesse ponto de seu trajeto, não o torna-se indestrutível. Pois como a sexualidade do amor vindouro é completamente estranha, a do amor presente deve ser completamente singular. Ela jamais é a condição de seu ser e sempre a sua duração mundana. Mas Deus, no sacramento do matrimônio, torna o amor <imune> ao perigo da sexualidade e da morte. O perigo da sexualidade é que ela, nomeadamente, destaca o casal ou, mais precisamente, ela simplesmente o destaca para responsabilizá-lo, uma vez que a pessoa é incapaz de se responsabilizar por seus instintos e, além disso, jamais é responsável pelo que estes determinam. Mas somente o Deus da responsabilidade, no matrimônio, é a favor da sexualidade do casal, e assim o é por toda parte, exceto o próprio perigo desmedido da sexualidade, que faz parte da vida e que, por si só, conduz através da senda da ascese apenas os devotos.

(O que se diferencia nessa transformação misteriosa do amor através do sacramento é o feminino.)

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[fr 49]

MORTE

O indivíduo morre, ou seja, ocorre uma dispersão; o indivíduo é uma unidade indivisível, porém inacabada; a morte é, no campo da individualidade, apenas um movimento (movimento ondulatório). A vida histórica perece sempre em algum lugar; mas é imortal no todo. O conjunto aparente não depende do indivíduo (coeso). Com efeito, esta é a intenção verdadeira da reencarnação<.>

A persona será petrificada<.> Velhice.

Lealdade conserva apenas a persona<.>

A pessoa estará livre<.>

O corpo vivo perece, rompido como manômetro, que é explodido no instante de maior tensão e, com o despedaçamento da ligação, torna-se caduco, supérfluo.

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[fr 51]

SOBRE AMOR E PARENTESCO. (UM PROBLEMA EUROPEU)

(Sobre o matrimônio v. em outro caderno <fr 47>) Esta época participa da consumação de uma das revoluções mais poderosas já realizadas nas relações de gênero. Somente o saber proveniente destes acontecimentos nos permite atualmente lidar com o erotismo e a sexualidade; por que, neste caso, é imperativa a compreensão de que as formas seculares, e com isso igualmente o antigo conhecimento da relação de gênero, deixaram de ser válidos. Nada obstrui tão poderosamente esta compreensão como o argumento da imutabilidade dessa relação, em suas camadas mais profundas; o erro de que das transformações, da história, seriam afetadas apenas as formas efêmeras, as modas eróticas, visto que o mais profundo e o pretenso fundamento imutável, entre eles o domínio, seriam as leis eternas da natureza. Mas como só se pressente e não se sabe a amplitude para estas questões, como as revoluções na natureza são o mais poderoso testemunho da história? É provável que em todo o mundo pré-apocalíptico resida um sedimento e fundamento primeiro da vida imutável, porém isto é infinitamente mais profundo do que o pressente a fraseologia banal quando disserta sobre a eterna luta dos sexos. Esta luta pode até pertencer à existência eterna, mas certamente não às suas formas. Mas o que ela provavelmente sempre inflama e inflamará é a mulher determinada pelo erotismo e pela sexualidade, que parece natural devido à ocultação mais triste, onde o homem não é capaz de reconhecê-la, num amor criativo sem igual, como algo sobrenatural. E constantemente se inflama a partir desta sua incapacidade de luta, se as formas históricas de tal criação, como ainda hoje, estiverem mortas. Como então o homem europeu parece incapaz de confrontar essa unidade do ser feminino, que todos os sentinelas e reformadores de seu gênero praticamente compelem ao horror, na medida em que <permanecem> fechados a percepção da origem superior desse ser, onde eles não a vêem como sobrenatural, evidentemente, devem sentir às cegas e fugir. E, precisamente sob esta cegueira do homem, atrofia-se a vida sobrenatural da mulher ao natural e, como tal, igualmente ao não-natural. Pois só esta corresponde à decomposição singular que atualmente é capaz de capturar o feminino, pelos instintos primitivos do homem, apenas sob as imagens simultâneas da prostituta e da amante intocada. Mas essa intocabilidade lhe é estabelecida tão pouco como anímico imediato como quanto baixo desejo, como também é, em essência, instintiva e agressiva, de modo que – se hoje como outrora o maior símbolo válido para a duração terrena do amor, a única noite de amor é anterior a morte – esta, como outrora a noite das posses tornou-se hoje a noite da impotência e da resignação, a vivência clássica e válida do amor da nova geração – quem sabe por quantas gerações mais? Mas as duas coisas, impotência como desejo, um novo e inaudito caminho do homem, para o qual o velho caminho é deslocado por meio da posse da mulher para o conhecimento, e que a nova busca chega por meio deste conhecimento a sua posse. Mas: similia a similibus cognoscentes. Assim o homem procura se assemelhar a mulher, igualando-se a ela. E aqui se instala a desmedida e, num sentido mais profundo, a quase sistemática metamorfose do masculino, uma das maiores, provavelmente a maior delas: a metamorfose da sexualidade masculina em feminina por meio da passagem pelo medium espiritual. Agora é Adão quem viola a maçã, mas ele é igual à Eva. A antiga serpente pode desaparecer e novamente no jardim purificado do Éden nada resta como a questão se ele é o paraíso ou o inferno.

O olhar se perde na escuridão daquela grande metamorfose da corrente da physis humana, num futuro que provavelmente é estabelecido, que nenhum profeta penetrou, mas que será conquistado pelos mais pacientes. Aqui flui a corrente escura que hoje, para o mais nobre, pode ser a sepultura predeterminada. Mas, acima de tudo, conduz o espírito como a única ponte que ele atravessa e onde a vida, em sua carruagem triunfal, será transcendida, em cuja linha de frente só os escravos permanecerão salvos.

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[fr 52]

NO SENTIMENTO DE CULPA SEXUAL, que ao menos é a regra para os homens no trato com as mulheres (não sei se para as mulheres, e se no trato do mesmo gênero com um ou ambos os gêneros), há um indício muito importante das antigas condições do mundo <–> para as próprias condições do mundo, não apenas para a imagem que é feita dele contemporaneamente. Este sentimento de culpa não pode ser esclarecido com base nas relações históricas se, desde o início, não for afastado o equívoco de que o sentimento de culpa pode surgir através do medo; (apenas o oposto é possível). O sentimento de culpa sexual é semelhante ao de uma conjuração: o sentimento da culpa pela entrada numa área, de um poder ruim, imponente, exercido sobre o recém-chegado. Este sentimento não é compreendido a partir da simples natureza psíquica da condição de embriaguez sexual, como não exerce, inteiramente sob estas condições, nenhum poder ilimitado sobre as pessoas. Portanto ele deve basear-se num sentimento formado em tempos remotos, quando da entrada nesta ou em regiões afins. Na conspiração, o sentimento elementar quando da entrada em tais regiões superiores, além do sentimento de culpa, é o horror. Assim este também é preservado como um componente importante no sentimento de culpa sexual, restando apenas as questões se aqueles poderes, aos quais o horror se refere neste ato, se sustentam atualmente e se o sentimento de culpa sexual é indulgente neste modo de horror, na conjuração sexual da origem. A presença destes poderes, mesmo que altamente atenuada, ainda é presumida. A resposta a estas duas questões deve permanecer em aberto.

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A PROSTITUTA

Na prostituta são expressos dois princípios opostos. O princípio do prazer anárquico e o princípio hierárquico do culto a Deus, agora ou chama este Deus no sentido próprio, ao modo dos hieródulos, ou o chama dinheiro. Ambos os princípios tem nesta forma um ir e vir, uma história de sua expressão. Entre eles, e a coquete moderna é contada no tipo hierático, está a prostituta, a quem particularmente corresponde uma expressão pura de ambos os princípios: libertinagem e obediência (por necessidade). Considerar que esta antinomia dos dois princípios históricos (em suma: o revolucionário e o teocrático) surge na mulher.

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[fr 56]

ESQUEMAS DO PROBLEMA PSICOFÍSICO

I. Espírito e corpo vivo

Eles são idênticos apenas como abordagens, não como objetos. A zona de sua identidade designa o termo “forma”. Em cada estágio de sua existência, o espírito-corporal é a forma do histórico, portanto a espírito-corporalidade é de alguma maneira a categoria de seu “instante”, sua manifestação momentânea como perecível-imperecível. Corpo vivo e espírito, com o sentido idêntico de corpo vivo, são então as supremas categorias de forma do acontecimento do mundo, mas não a categoria de seu conteúdo eterno, como faz dela a abordagem da escola georgiana. Nosso corpo vivo não é assim um processo histórico implicado em si, mas apenas o estar-nele respectivo, sua modificação de forma em forma não é função do acontecimento histórico em si, mas da respectiva relação abstrata de uma vida sobre este. Assim um corpo vivo pode se tornar real para todos, porém não como o substrato ou a substância de seu ser mais íntimo, como é o corpo material, mas sim como um fenômeno na exposição de seu “instante” histórico. Talvez seja mais conveniente chamar o espírito encarnado de “engenho”.

Em geral, podemos dizer: todo real é forma contanto que ele seja considerado no modo de seu processo histórico, que é significativo para o todo tal como para seu “instante”, alojado no âmago de seu presente temporal. Toda forma desse tipo pode se manifestar em dois modos idênticos, que talvez estejam em uma relação polar: como engenho e como corpo vivo.

II. Espírito e corpo material

Enquanto corpo vivo e engenho podem se tornar real para todos a partir de sua relação presente com o processo histórico (e não apenas com Deus), o corpo material, e o espírito que lhe pertence, são fundados pura e simplesmente na existência, não na relação. O corpo material é uma entre as realidades que estão no próprio processo histórico. Como ele se difere do corpo vivo poderá ser ilustrado, por ora, pelo exemplo do ser humano. Tudo que a pessoa tem de si mesma como algo da percepção formal, que aparece na sua totalidade bem como em membros e órgãos, contanto que lhe seja plasmado, pertence ao seu corpo vivo. Todas as limitações que ela percebe em si mesma, sensualmente, pertencem igualmente a esta forma. Disso resulta que a existência única da pessoa percebida sensualmente é a percepção de uma relação na qual ela se encontra, mas não a percepção de um substrato, de uma substância própria, tal como o corpo material representa sensualmente. Pelo contrário, isto se manifesta numa dupla polaridade peculiar: como prazer e como dor. Em ambos não é percebida nenhuma forma, nenhuma limitação. Portanto, se nós tomamos conhecimento sobre nosso corpo material, apenas ou principalmente, através do prazer e da dor, então não conhecemos nenhuma limitação dele. Neste ponto é necessário tê-los em mente, sob as modificações da consciência do eu, já que tal limitação é tão estranha quanto os estados de prazer e dor que, em seu mais alto desenvolvimento, constituem a embriaguez. Esses estados são inicialmente os da percepção. Embora com diferenças de graus. A percepção visual, em contraste com a percepção gustativa, mais centripetamente dirigida, e especialmente com a percepção tátil, que poderíamos chamar formalmente centrífuga, é provavelmente aquela criada de forma mais ilimitada. A percepção visual mostra o corpo material, quando não ilimitado, ainda no limite amorfo e vacilante.

De maneira geral, pode-se então dizer: pelo que sabemos da percepção, sabemos do nosso corpo material que, em contraste com nosso corpo vivo, se estende sem limite formal determinado. Então, na verdade, este corpo material não é o substrato último de nosso ser, mas, todavia, a substância para a distinção do corpo vivo, do qual é apenas função. No sentido mais profundo, o corpo material é objetivo e por isso deve ser localizado, mais ainda do que no esclarecimento do engenho idêntico ao corpo vivo, na clarificação da “natureza” espiritual do ser vivente, que está ligada ao corpo material e presa a ele. Aqui a dificuldade está no fato de que a natureza é afirmada como pertencente ao corpo material, porém novamente indicando enfaticamente a limitação e o pormenor dos seres viventes. Essa realidade limitada, que é constituída através da fundação de uma natureza espiritual em um corpo material, chama-se a persona. De fato a persona está agora limitada, mas não formada. Portanto ela tem sua singularidade que, decerto, pode se atribuir um sentido seguro, mas não proveniente de si própria, porém da amplitude de sua extensão máxima. Assim é ao mesmo tempo com sua natureza e seu corpo material: eles não estão limitados de modo estruturado, mas ainda limitados através de um máximo de interpretação <sic>, o povo.

III. Corpo vivo e corpo material

A pessoa pertence ao corpo vivo e ao corpo material em conexões universais. Com um e outro, no entanto, de maneiras muito diversas: com o corpo vivo da humanidade, com o corpo material de Deus. Ambos os limites para com a natureza são precários, ambos os incrementos determinaram aqui o acontecimento do mundo a partir de seus fundamentos mais profundos. O corpo vivo, a função do presente histórico nos seres humanos, cresce para o corpo vivo da humanidade. A “individualidade” como princípio do corpo vivo é maior do que as individualidades corporais singulares. A humanidade como individualidade é a conclusão e simultaneamente o declínio da vida corporal. Declínio: porque com ele se alcança aquela vida histórica, cuja função do corpo vivo é o seu fim. Nesta vida do corpo vivo da humanidade e, portanto, neste declínio e nesta realização, pode a humanidade, excetuada a totalidade dos vivos, ainda que parcialmente, abranger a natureza através da técnica: objetos inanimados, plantas e animais, na qual se forma a unidade de suas vidas. Por fim pertence a sua vida, aos seus membros, tudo o que serve a sua felicidade.

A natureza corporal vai contra a sua dissolução, em comparação com a ressurreição de sua corporeidade. Do mesmo modo, sobre esta se encontra o momento decisivo na pessoa. O corpo material é para a pessoa a chancela de sua solidão e ela não vai se partir – nem mesmo na morte – visto que esta solidão não é nada mais que a consciência de sua dependência direta de Deus. O que, para cada pessoa, no âmbito de sua percepção, de suas dores e de seu prazer máximo, é salvo com ela na ressurreição. (Este prazer máximo não tem, obviamente, nada a ver com a felicidade) Dor é regida, prazer é avaliado <?> princípio do corpo material.

Portanto há na história natural os dois grandes decursos: dissolução e ressurreição.

IV. Espírito e sexualidade/Natureza e corpo material

Espírito e sexualidade são as forças potenciais polares da “natureza” dos seres humanos. A natureza não é algo que pertence especialmente a cada corpo material singular. De fato, na sua relação com a singularidade do corpo material, ela é comparável com a relação das correntes do oceano com as gotas d’água individuais. Um sem número destas gotas é tomado da mesma corrente. Assim é também a natureza, embora não em todas, mas respectivamente em muitíssimas pessoas, a mesma. E no verdadeiro sentido de mesma e idêntica, não apenas igual. Ela não é constante, mas sua corrente muda com os séculos e, ao mesmo tempo, sempre será encontrado um número maior ou menor de tais correntes. Sexualidade e espírito são os dois pólos vitais dessa vida natural que flui para o corpo material e nele se diferencia. Assim é o espírito, bem como a sexualidade na origem, algo de natural e aparecerá no transcurso como um corpóreo. O conteúdo de uma vida depende do quanto o vivente consegue manifestar corporeamente sua natureza. A decadência completa do ideal da corporeidade, como experimenta o mundo ocidental atual, permanece como o último instrumento para sua renovação, o tormento da natureza, que na vida já não mais se deixa apreender e corre irrefreavelmente, em correntes selvagens, sobre o corpo material. A própria natureza é totalidade e o movimento descendente no insondável da vitalidade total é destino. O movimento ascendente a partir deste insondável é arte. Mas porque a vitalidade total na arte tem o seu efeito redentor singular, qualquer outra forma de expressão conduz ao aniquilamento. A representação da vitalidade total na vida deixa o destino desembocar na loucura. Porque toda reatividade vital está ligada a diferenciação, seu instrumento mais nobre é o corpo material. Esta sua determinação é reconhecida como essencial. O corpo material como instrumento de diferenciação das reações vitais, e apenas ele, é simultaneamente a sua vitalidade psíquica a ser apreendida. Toda vivacidade psíquica localiza-se nele de maneira diferenciada, mais ou menos como a antiga antroposofia empreendia na analogia do corpo material com o macrocosmo. O corpo material tem, na percepção, uma das determinações mais importantes da diferenciação; a zona das percepções também mostra mais claramente a variabilidade que ele está sujeito como função da natureza. Altera-se a natureza, então se altera as percepções do corpo material.

O corpo material é um instrumento moral. Ele é criado para o cumprimento do mandamento. Logo, ele foi instituído pela criação. Mesmo as suas percepções denotam o quanto subtrai ou traslada nelas seu dever.

V. Prazer e dor

Na diferença física entre prazer e dor está contida sua leitura metafísica. Sob esta diferença física resta, por fim, duas como elementares e irredutíveis. Do ponto de vista do prazer, seu caráter fulminante e uniforme o diferencia da dor; do ponto de vista desta, seu caráter crônico e diverso a diferencia do prazer. Somente a dor, mas nunca o prazer, pode se tornar o sentimento concomitante crônico dos processos orgânicos constantes. Só ela, nunca o prazer, é capaz da diferenciação extrema conforme a natureza dos órgãos, da qual ela provém. Isto está implícito na língua que, no alemão, para o máximo de prazer só são conhecidos os superlativos de Süßen [doçura] ou de Wonne [delícia], dos quais, na verdade, apenas o primeiro é acertada e inequivocamente sensual. Por conseguinte, o sentido mais baixo, o paladar, empresta a designação de sua sensação orgânica positiva para a expressão de todo o prazer sensual. Completamente diferente das designações da dor. Nas palavras: Schmerz [dor], Weh [mágoa], Qual [martírio], Leiden [sofrimento] está por toda a parte mais claramente pronunciado que – o que para o prazer, no campo da designação linguística, apenas aproximadamente está implícito na palavra “Wonne” [delícia] –, na dor, a ausência de toda e qualquer metáfora é diretamente afetada pelo simbólico, o anímico. Talvez seja justamente relacionado a isto que os sentimentos de dor são em grande medida incomparáveis como os sentimentos de prazer genuínos, portanto não são capazes apenas de uma variabilidade moderada de grau. Mas certamente existe uma ligação entre este valor inquebrantável do sentimento de dor para a essência integral da humanidade e sua capacidade de permanência. E esta permanência, por sua vez, conduz diretamente ao campo daquelas diferenças físicas exatamente correspondentes, e as diferenças metafísicas desses dois sentimentos as esclarecem. Apenas o sentimento de dor é capaz, nomeadamente, tanto no físico como no metafísico, da realização ininterrupta de um tratamento temático. A essência da pessoa é o instrumento perfeito da dor; apenas no sofrimento humano a dor chega a sua mais pura e adequada manifestação, apenas na vida humana ela deságua. Somente a dor, de todos os sentimentos do corpo material, é para a pessoa como um rio navegável que jamais se esgota a água, que a conduz para o mar. O prazer se mostra por toda parte onde a pessoa aspira a lhe dar sequência, como um beco sem saída. Na verdade, ele é apenas um presságio de um outro mundo, não como a dor, uma ligação entre os mundos. Portanto o prazer orgânico é intermitente, enquanto que a dor pode se tornar permanente.

Esta relação de prazer e dor está ligada ao fato de que, para o conhecimento essencial de uma pessoa, o motivo de sua maior dor é indiferente, no entanto o motivo de seu maior prazer é muito importante. Pois toda dor, mesmo a dor vã, se deixa levar até o extremo religioso, mas o prazer não é capaz de nenhum refinamento e tem sua nobreza inteira isolada da graça de seu nascimento, dirá o seu motivo.

VI. Proximidade e distância

Estas são duas relações espaciais que, na construção e na vida do corpo material, podem ser semelhantes à determinação como outros espaciais (acima e abaixo, direita e esquerda, etc.). Mas elas emergem principalmente na vida de Eros e da sexualidade. A vida de Eros se inflama pela distância. Por outro lado há um parentesco entre proximidade e sexualidade. – Sobre a distância seria possível comparar com as investigações do sonho de Klages. Ainda mais desconhecido que o efeito da distância nas relações corpóreas é o da proximidade. Os fenômenos relacionados podem ter sido repudiados e degradados a milhares de anos. – Além disso, por exemplo, subsiste uma relação precisa entre estupidez e proximidade: no fim das contas, a estupidez provém da contemplação próxima das idéias [A vaca em frente ao novo portão]. Mas precisamente esta demasiada contemplação (estúpida) próxima das idéias é uma fonte de beleza (não intermitente) permanente. Assim procede a relação entre a estupidez e a beleza.

Literatura
<Ludwig> Klages: Vom Traumbewußtsein Ztschr. für Pathopsychologie III Bd 4 Heft 1919 (ver mais estes)
<idem> Geist und Seele Deutsche Psychologie Bd I Heft 5 u Bd II Heft 6
<idem> Vom Wesen des Bewußtseins (J. A. Barth)
<idem> Mensch und Erde (Georg Müller)
<idem> Vom kosmogonischen Eros (Georg Müller)

VI. Proximidade e distância (continuação)

Quanto menos um homem é constrangido pelos laços do destino, menos o próximo o determina, seja através de circunstâncias, seja através das pessoas. Pelo contrário, tal pessoa livre tem sua proximidade própria; é ela quem a determina. A determinação própria de sua vida fatídica, pelo contrário, vem a ela da distância. Ela não regateia “considerando” o que está por vir, como se a ultrapassasse; mas com “cautela” para com o distante, ao qual ela se conforma. Eis porque é o questionamento das estrelas – mesmo entendido alegoricamente – plenamente fundamentado, como a especulação em torno do porvir. Por que o longínquo, que determina a pessoa, deve ser a própria natureza e quanto mais indivisa esta atua tanto mais pura é aquela. Por conseguinte a natureza pode, com seus menores presságios, assustar o neurótico, guiar com as estrelas os demoníacos, assim ela determina, com suas mais profundas harmonias – e apenas através destas – somente os devotos. Todos eles, não em suas ações mas sim em suas vidas, que por si só pode sim ser fatal. E aqui, mas não no campo da ação, está a liberdade em seu lugar. Justamente seu poder dispensa o vivente da determinação através do devir natural singular e permite a ele ser guiado pela existência da natureza que lhe é própria. Mas é conduzido como um dormidor. E a pessoa perfeita, sozinha em tais sonhos, a partir dos quais ela não desperta na vida. Pois quanto mais perfeita é a pessoa, tanto mais profundo é este sono – tanto mais constante e mais limitado ao fundamento originário de seu ser. Um sono, portanto, que não vem pelo ruído do próximo e nem através da voz de seus sonhos contemporâneos, no qual serão inquiridos a rebentação, os ambientes e o vento. Este mar de sono no solo profundo de toda natureza humana tem a preamar durante a noite: cada soneca apenas significa que ele banhou uma praia, a partir da qual ele se retira do tempo desperto. O que permanece: os sonhos são – como prodigiosamente formados – apenas o morto desde o regaço dessas profundezas. O vivente permanece protegido nele e sobre ele: o barco da vida desperta e os peixes como presas mudas nas redes do artista.

Assim é o mar, símbolo da natureza humana. Como sono – no mais profundo sentido figurado – traz o barco da vida com sua correnteza, que é conduzido pelo vento e pelas estrelas, como soneca no sentido próprio, ergue-se durante a noite como a maré contra a praia da vida, na qual ela devolve os sonhos.

A propósito, proximidade [e distância?] são para o sonho não menos decisivas que para o erótico. Não obstante, porém, de modo atenuado, deteriorado. A essência dessa diferença estaria ainda por ser localizada. Em si, a proximidade extrema certamente se realiza no sonho; e – talvez! – também a distância extrema?

Quanto ao problema da realidade do sonho, deve ser averiguado: a determinação da relação do mundo do sonho com o mundo da vigília, ou seja, o mundo real, é estritamente distinta da análise de sua relação com o mundo verdadeiro. Na verdade, ou no “mundo verdadeiro”, sonho e vigília já não existem mais como tal; eles podem ser mais do que símbolos de sua representação. Pois no mundo da verdade, o mundo da percepção perdeu a sua realidade. Sim, talvez o mundo da verdade não seja de maneira alguma o mundo de algum tipo de consciência. Com isso deve ser dito: o problema da relação do sonho com a vigília não é nenhuma “teoria do conhecimento”, mas uma “teoria da percepção”. As percepções não podem ser verdadeiras ou falsas, mas são problemáticas apenas em termos da competência de seu teor de significação. O sistema de tais competências possíveis, de modo geral, é a natureza da pessoa. Portanto o problema aqui é o que diz respeito, na natureza da pessoa, ao teor de significação da percepção do sonho, que concerne a sua percepção desperta. Para o conhecimento, ambos são inteiramente significantes exatamente da mesma maneira, a saber, pura e simplesmente como objetos. – Perante a percepção, nomeadamente, é sem sentido o questionamento habitual pela superioridade de um desses modos de percepção, de acordo com a maior riqueza de critérios, visto que primeiro devem ser indicados 1) que em geral existe a consciência da verdade 2) que através de tal validade seria caracterizada, em comparação, a maioria relativa dos critérios. Na realidade é 1) sem sentido a comparação nas investigações teóricas da verdade 2) a princípio, sobretudo para a consciência, é responsável unicamente a relação com a vida, mas não com a verdade. No que diz respeito à vida, nenhum desses modos de consciência é verdadeiro, mas há apenas uma diferença de seu significado para os mesmos.

Perfeito equilíbrio entre proximidade e distância no amor perfeito “vens voando e encantada”. – Dante põe Beatrice sob as estrelas. Para ele, porém, as estrelas poderiam estar próximas em Beatrice. Porque na amada se apresentam próximas ao homem as forças da distância. De tal maneira são proximidade e distância os polos da vida de Eros: eis porque é crucial o presente e a dissolução no amor. – O encanto é a magia da proximidade.

Eros é a obrigação na natureza, cujas forças estão livres por toda parte onde ele não domina. “Um grande demônio, Sócrates, [é o Eros] pois que todo demoníaco está no meio entre o deus e o mortal. – Que poder tem? Eu perguntei. – De anunciar e transmitir aos deuses o que vem dos homens e aos homens o que vem dos deuses; de uns súplicas e sacrifícios, de outros ordens e recompensas aos sacrifícios. No meio de ambos está o cumprimento, de modo que o próprio universo está ligado a si mesmo. Por meio deste demoníaco é possível do mesmo modo a profecia, e a arte dos sacerdotes nos sacrifícios, nas bênçãos, nos cantos e em toda adivinhação e encantamento. Deus não lida com os homens, mas através deste está a relação total e a conversação divina com os homens na vigília e no sono” Symposion 202/203<.> O tipo e o fenômeno originário da ligação, porém, que se encontra em cada ligação particular, é da proximidade e da distância. Esta é, além de todas as outras, a obra originária de Eros.

Relação especial de proximidade e distância para com os gêneros. Para o homem, as forças da distância devem ser determinantes, ao passo que ele determina a partir das forças da proximidade. A saudade é um devir determinado. Qual é a força a partir da qual o homem determina sua proximidade? Ela está perdida. Vôo é o movimento da saudade. Qual é o movimento encantatório que determina a proximidade? Encanto e vôo se conjugam no tipo de sonho de voar baixo sobre a terra. (A vida de Nietzsche é típica da mera determinação da distância, que é a fatalidade do mais alto sobre a pessoa acabada). Devido a esta falha da força encantatória ela não pode “se manter a distância”. E tudo que penetra em sua proximidade é dissoluto. Eis porque se tornou a proximidade o domínio do dissoluto, como na mais íntima proximidade do casal na sexualidade, terrível o suficiente para trazer à luz, e que tem sido experimentado por Strindberg. Mas o Eros ileso tem poder obrigatório e encantatório também no próximo.

“Die Verlassenen” de Karl Kraus, uma contrapartida <contraposição?> ao “Seliger Sehnsucht” de Goethe. Aqui o movimento do adejo e do vôo, acolá a paralisação encantada do sentimento. O poema de Goethe, um movimento ininterrupto poderoso; o poema de Kraus, uma interrupção desmedida e detida no meio da estrofe, como o abismo do mistério que separa o primeiro do último reciprocamente. Assim é o abismo, o fato originário que seria experimentado em toda proximidade erótica profunda.

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[B 2, 1]

Um problema bem semelhante colocou-se para nós em vista das novas formas de velocidade que trouxeram um ritmo diferente à vida. Isto também, de certa forma, foi testado primeiramente de maneira lúdica. Surgiram as “montanhas-russas”, e os parisienses, qual loucos, apoderaram-se deste divertimento. Por volta de 1810, conforme anota um cronista, uma dama teria desperdiçado 75 francos numa só noite no Parc de Montsouris, onde havia estas atrações aéreas. O novo ritmo da vida anuncia-se por vezes de maneira mais inesperada. É o caso dos cartazes. “Essas imagens de um dia ou de uma hora, desbotadas pelas tempestades, rabiscadas a carvão pelos meninos, queimadas pelo sol e alguma vezes cobertas por outras imagens, antes mesmo que tenham secado, simbolizam — num grau ainda mais intenso que a imprensa — a vida rápida, agitada, multiforme que nos arrasta.” Maurice Talmeyr, La Cité du Sang, Paris, 1901, p. 269. Pois, nos primeiros tempos do cartaz ainda não havia uma lei que regulasse sua colocação, sua proteção ou que também garantisse a proteção contra os cartazes e, assim, era possível acordar uma certa manhã e encontrar a própria janela tapada por um cartaz. Esta enigmática necessidade de sensações foi desde sempre satisfeita pela moda. Porém, somente a reflexão teológica a respeito conseguirá atingir o cerne da questão, pois revela-se aí uma atitude profunda, afetiva, do ser humano frente ao curso da história. Somos levados a associar esta necessidade de sensações a um dos sete pecados capitais e não devemos nos surpreender com o fato de um cronista associar a isso profecias apocalípticas e anunciar um tempo em que os seres humanos se tornarão cegos devido ao excesso de luz elétrica e desvairados por conta do ritmo acelerado das notícias. (Em Jacques Fabien, Paris en Songe, Paris, 1863.)

[B 4, 1]

III eterno retorno

Friedell explica em relação à mulher “que a história de seu vestuário demonstra surpreendentemente poucas variações, nada mais sendo do que uma seqüência de algumas nuances que mudam muito rapidamente, mas que também retornam com maior freqüência: o comprimento das caudas, a altura dos penteados, o comprimento das mangas, o volume da saia, o tamanho do decote, a altura da cintura. Mesmo revoluções radicais como o atual corte de cabelos à la garçonne são apenas ‘o eterno retorno do mesmo’.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 88. Desta forma, segundo o autor, a moda feminina se distingue da moda masculina, mais variada e mais determinada.

[B 4, 6]

“A moda é um testemunho, mas um testemunho da história do grande mundo somente, porque em todos os povos … os pobres não têm modas como não têm história, e nem suas idéias, nem seus gostos, nem sua vida mudam em nada. Talvez … a vida pública comece a penetrar nos pequenos lares, mas isso levará tempo.” Eugène Montrue, Le XIX Siècle Vécu par Deux Français, Paris, p. 241.

[D 5, 7]

-III- progresso

Contrapartida da visão de mundo de Blanqui: o universo é um lugar de catástrofes permanentes.

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[D 10a, 5]

A crença no progresso, em sua infinita perfectibilidade — uma tarefa infinita da moral —, e a representação do eterno retorno são complementares. São as antinomias indissolúveis a partir das quais deve ser desenvolvido o conceito dialético do tempo histórico. Diante disso, a idéia do eterno retorno aparece como o “racionalismo raso”, que a crença no progresso tem a má fama de representar, sendo que esta crença pertence à maneira de pensar mítica tanto quanto a representação do eterno retorno.

[O 13a, 5]

Sobre o elemento heróico no jogo, algo como um corolário para “Le jeu”, de Baudelaire: “Uma consideração que costumo fazer nas mesas de jogo…: Se acumulássemos toda a força e a paixão, desperdiçadas a cada ano nas mesas de jogo da Europa – seria isto suficiente para formar um povo romano e uma história romana? Mas é justamente isto! Como todo homem nasce como um romano, a sociedade burguesa procura desromanizá-lo, e por isso foram introduzidos os jogos de azar e de salão, os romances, as óperas italianas e os jornais elegantes, os cassinos, as rodas de chá e as loterias, os anos de aprendizagem e de andanças, os desfiles de guarnições e as trocas de guarda, as cerimônias e as recepções, e as quinze ou vinte bem ajustadas peças de vestuário que temos que vestir e despir diariamente com salutar perda de tempo – tudo isto para que a força supérflua possa se esvair imperceptivelmente!” Ludwig Börne, Gesammelte Schriften, vol. III, Hamburgo-Frankfurt a. M., 1862, pp. 38-39 (“Das Gastmahl der Spieler” – “O banquete dos jogadores”).

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[S 1, 3]

A alternância da moda, o eternamente atual [das Ewig-Heutige], escapa à reflexão “histórica”; ele só é verdadeiramente superado pela reflexão política (teológica). A política reconhece em cada constelação atual o genuinamente único, o que jamais retorna. Para uma reflexão sujeita à moda e que procede da má atualidade, é típica a seguinte informação, contida em La Trahison des Clercs, de Benda. Um alemão descreve sua surpresa quando, duas semanas após a tomada da Bastilha, sentado à mesa de hóspedes em Paris, não ouviu ninguém falar sobre política. É a mesma situação descrita por Anatole France que põe as seguintes palavras na boca do velho Pilatos, que conversa em Roma sobre os tempos de seu governo e evoca a revolta do rei dos judeus: “Como era mesmo o nome dele?”

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[S 1, 6]

Interesse vital em reconhecer um determinado ponto da evolução como encruzilhada. Nesse ponto localiza-se atualmente o novo pensamento histórico, que é caracterizado por uma maior concretude, pela salvação dos períodos de decadência e pela revisão da periodicidade, de maneira geral e em particular, e cuja utilização em um sentido reacionário ou revolucionário está sendo decidida agora. Neste sentido, o que se anuncia nos escritos dos surrealistas e no novo livro de Heidegger é a mesma crise, com suas duas possibilidades de solução.

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[S 1a, 2]

III novidade

“Se guardamos da história apenas os fatos mais gerais, os que se prestam aos paralelos e às teorias, basta — como dizia Schopenhauer — conferir com Heródoto o jornal da manhã: tudo o que ocorre no intervalo, repetição evidente e fatal dos fatos mais longínquos e dos fatos mais recentes, torna-se inútil e fastidioso.” Rémyv de Gourmont, Le II Livre des Masques, Paris, 1924, p. 259. A passagem não é muito clara. Ao pé da letra, dever-se-ia supor que a repetição no decurso histórico refere-se tanto aos grandes fatos quanto aos pequenos. Porém, o autor provavelmente se refere apenas aos primeiros. É preciso mostrar, em vez disso, que é justamente nos detalhes do que ocorre no intervalo que se manifesta o eternamente igual.

[S 1a, 3]

As construções da história são comparáveis a ordens militares que cerceiam a verdadeira vida e a confinam em quartéis. Por outro lado, temos a anedota como uma insurreição nas ruas. A anedota aproxima as coisas espacialmente de nós, faz com que entrem em nossa vida. Ela representa a rigorosa oposição à história que exige a “empatia”, que torna tudo abstrato. A mesma técnica da proximidade deve ser usada em relação às épocas, à maneira dos calendários. Imaginemos que um homem morra exatamente ao completar cinqüenta anos, no dia do nascimento de seu filho, a quem ocorrerá o mesmo etc. Se iniciarmos esta corrente na época do nascimento de Cristo, resulta daí o seguinte: desde o início de nossa era, não viveram mais do que umas quarenta pessoas. Desta forma, quando se aplica ao decurso histórico um critério adequado, uma escala que lhe seja adequada, comensurável à vida humana, a sua imagem se transforma inteiramente. Este páthos da proximidade, o ódio contra a configuração abstrata da história em “épocas”, animou os grandes céticos, como Anatole France.

[S 1a, 4]

Nunca houve uma época que não se sentisse “moderna” no sentido excêntrico, e que não tivesse o sentimento de se encontrar à beira de um abismo. A consciência desesperadamente lúcida de estar em meio a uma crise decisiva é crônica na história da humanidade. Cada época se sente irremediavelmente nova. O “moderno”, porém, é tão variado como os variados aspectos de um mesmo caleidoscópio.

[S 1a, 8]

Cada época acredita ser irremediavelmente moderna — mas também cada uma delas tem direito de ser assim considerada. Contudo, o que se deve compreender por irremediavelmente moderno depreende-se muito claramente da seguinte frase: “Talvez nossos descendentes delimitem como o segundo grande período de toda a história depois de Cristo o que se inicia com a Revolução Francesa e a passagem do século XVIII ao XIX, e reúnam no primeiro período o desenvolvimento de todo o mundo cristão, inclusive a Reforma.” Em outro trecho, fala-se de “um grande período que marca um corte profundo na história do mundo, como qualquer outro, sem nenhum fundador de religião, sem reformadores e sem legisladores”. (Julius Meyer, Geschichte der modernen französischen Malerei, Leipzig, 186—. pp. 22 e 21). Segundo o autor, a história se expande sem cessar. Na realidade, isto é conseqüência do fato de que a indústria confere à história um caráter verdadeiramente epocal. O sentimento de uma transformação epocal surgida com o século XIX não foi privilégio de Hegel e de Marx.

[S 2, 1]

O coletivo que sonha ignora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo um curso sempre idêntico e sempre novo. Com efeito, a sensação do mais novo, do mais moderno, é tanto uma forma onírica dos acontecimentos quanto o eterno retorno do sempre igual. A percepção do espaço que corresponde a esta percepção do tempo é a transparência da interpenetração e superposição do mundo do flâneur. Estas sensações de espaço e de tempo foram o berço para a escrita folhetinesca moderna. ■ Coletivo onírico

[S 2a, 2]

III novidade

>Wiesengrund cita e comenta uma passagem de A Repetição, de Kierkegaard: “Sobe-se ao primeiro andar de uma casa iluminada a gás, abre-se uma pequena porta e eis a entrada. À esquerda, tem-se uma porta de vidro que conduz a um gabinete. Segue-se em frente e chega-se a uma ante-sala. Depois dela, dois quartos de igual tamanho, de mobília como se um dos quartos estivesse sendo refletido no espelho.” A propósito desta passagem — Kierkegaard, Gesammelte Werke, vol. III <Furcht und Zittern, Wiederholung [Temor e tremor, A repetição]>, Iena, 1909, p. 138 — que continua a citar, Wiesengrund comenta: “A duplicação do quarto que aparece refletido, sem de fato estar refletido, tem algo de insondável: assim como estes quartos, talvez toda aparência na história seja igual a si mesma, enquanto ela própria, escrava da natureza, persistir na aparência.” Wiesengrund-Adorno. Kierkegaard, Tübingen, 1933, p. 50. ■ EspelhoIntérieur

[S 4, 1]

III jugendstil

O seguinte olhar sobre o Jugendstil é muito problemático, pois nenhuma manifestação histórica pode ser concebida somente sob a categoria da fuga; esta carrega sempre, de forma concreta, a marca daquilo de que se foge. “O que permanece fora … é o burburinho das cidades, a fúria monstruosa, não dos elementos, e sim das indústrias, o poder onipresente da moderna economia de mercado, o mundo das empresas, do trabalho tecnológico e das massas, que parecia aos exponentes do Jugendstil como um alarido geral, sufocante e caótico.- Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 260.

[S 5, 1]

Sobre a Exposição universal de Londres de 1851. “Esta exposição obteve sucesso não só no domínio da técnica e das máquinas, mas também no desenvolvimento artístico, e seus efeitos são sentidos por nós até hoje… Perguntamo-nos agora se o movimento que levou à construção de um edificio monumental de vidro e ferro … não se manifestou igualmente no desenho de móveis e utensílios. Em 1851 essas questões não se colocavam. E no entanto havia muito a observar. Durante as primeiras décadas do século XIX, a indústria de maquinaria da Inglaterra levou a eliminar a decoração supérflua de móveis e utensílios para que as máquinas pudessem fabricá-los mais facilmente. Com isso surgiu, principalmente para os móveis, uma série de formas bastante simples, mas construtivas e extraordinariamente inteligentes, que despertam novamente o nosso interesse hoje em dia. Os móveis ultramodernos de 1900, que dispensam qualquer ornamento e enfatizam as linhas puras, retomam imediatamente aqueles móveis de mogno maciços e ligeiramente torneados de 1830-1850. Ocorre que em 1850 não se apreciava o que, de fato, já havia sido conquistado na busca por novas formas básicas. (Ao contrário, houve uma tendência ao historicismo, que conduziu principalmente à moda renascença.) Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen, Berlim, pp. 11-12.

[K 1, 1]

O despertar como um processo gradual que se impõe na vida tanto do indivíduo quanto das gerações. O sono é seu estágio primário. A experiência da juventude de uma geração tem muito em comum com a experiência do sonho. Sua configuração histórica é configuração onírica. Cada época tem um lado voltado para os sonhos, o lado infantil. Para o século passado, isto aparece claramente nas passagens. Porém, enquanto a educação de gerações anteriores interpretava esses sonhos segundo a tradição, no ensino religioso, a educação atual volta-se simplesmente à distração das crianças. Proust pôde surgir como um fenômeno sem precedentes apenas em uma geração que perdera todos os recursos corpóreo-naturais da rememoração e que, mais pobre do que as gerações anteriores, estivera abandonada à própria sorte e, por isso, conseguira apoderar-se dos mundos infantis apenas de maneira solitária, dispersa e patológica. O que é apresentado a seguir é um ensaio sobre a técnica do despertar. Uma tentativa de compreender a revolução dialética, copernicana, da rememoração.

[K 1, 2]

A revolução copernicana na visão histórica é a seguinte: considerava-se como o ponto fixo “o ocorrido” e conferia-se ao presente o esforço de se aproximar, tateante, do conhecimento desse ponto fixo. Agora esta relação deve ser invertida, e o ocorrido, tornar-se a reviravolta dialética, o irromper da consciência desperta. Atribui-se a política o primado sobre a história. Os fatos tornam-se algo que acaba de nos tocar, e fixá-los é tarefa da recordação. E, de fato, o despertar é o caso exemplar da recordação: o caso no qual conseguimos recordar aquilo que é mais próximo, mais banal, mais ao nosso alcance. O que Proust quer dizer com a mudança experimental dos móveis no estado de semidormência matinal, o que Bloch percebe como a obscuridade do instante vivido, nada mais é do que aquilo que se estabelecerá aqui no plano da história, e coletivamente. Existe um saber ainda-não-consciente do ocorrido, cuja promoção tem a estrutura do despertar.

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[K 1, 3]

Existe uma experiência da dialética totalmente singular. A experiência compulsória, drástica, que desmente toda “progressividade” do devir e comprova toda aparente “evolução” como reviravolta dialética eminente e cuidadosamente composta, é o despertar do sonho. Para o esquematismo dialético, que está na base deste processo, os chineses encontraram freqüentemente em sua literatura de contos maravilhosos e novelas expressões altamente acertadas. O método novo, dialético, de escrever a história apresenta-se como a arte de experienciar o presente como o mundo da vigília ao qual se refere o sonho que chamamos de o ocorrido. Elaborar o ocorrido na recordação do sonho! — Quer dizer: recordação e despertar estão intimamente relacionados. O despertar é, com efeito, a revolução copernicana e dialética da rememoração.

[K 1, 5]

É um dos pressupostos tácitos da psicanálise que a oposição categórica entre sono e vigília não tem valor algum para determinar a forma de consciência empírica do ser humano, mas cede o lugar a uma infinita variedade de estados de consciência concretos, cada um deles determinado pelo grau de vigília de todos os centros possíveis. Basta, agora, transpor o estado da consciência, tal como aparece desenhado e seccionado pelo sonho e pela vigília, do indivíduo para o coletivo. Para este, são naturalmente interiores muitas coisas que são exteriores para o indivíduo. A arquitetura, a moda, até mesmo o tempo atmosférico, são, no interior do coletivo, o que os processos orgânicos, o sentimento de estar doente ou saudável são no interior do indivíduo. E, enquanto mantêm sua forma onírica, inconsciente e indistinta, são processos tão naturais quanto a digestão, a respiração etc. Permanecem no ciclo da eterna repetição até que o coletivo se apodere deles na política e quando se transformam, então, em história.

[K 1a, 6]

Não só as formas em que se manifestam os sonhos coletivos do século XIX não podem ser negligenciadas, não só elas o caracterizam de maneira muito mais decisiva do que aconteceu em qualquer século anterior: elas são também — se bem interpretadas — da maior importância prática, permitindo-nos conhecer o mar em que navegamos e a margem da qual nos afastamos. É aqui, em suma, que precisa começar a “crítica” ao século XIX. Não a crítica ao seu mecanismo e maquinismo, e sim ao seu historicismo narcótico e à sua mania de se mascarar, na qual existe, contudo, um sinal de verdadeira existência histórica, que os surrealistas foram os primeiros a captar. Decifrar este sinal é a proposta da presente pesquisa. E a base revolucionária e materialista do Surrealismo é uma garantia suficiente para o fato de que, no sinal da verdadeira existência histórica, de que se trata aqui, o século XIX fez sua base econômica alcançar sua mais alta expressão.

[K 2, 1]

II o heroi

“É estranho, além do mais, constatar que, ao observar este movimento intelectual em seu conjunto, Scribe tenha sido o único a tratar do presente de forma direta e profunda. Todos os outros ocupam-se mais com o passado do que com os poderes e interesses que põem em movimento seu próprio tempo… Foi igualmente do passado, da história da filosofia, que a doutrina eclética tirou suas forças; e foi finalmente a história da literatura, cujos tesouros a crítica descobriu com Villemain, sem aprofundar-se na vida literária de sua própria época.” Julius Meyer, Geschichte der modernen französischen Malerei, Leipzig, 1867, pp. 415-416.

[K 2, 3]

I recepção-III- salvação

Diz-se que o método dialético consiste em levar em conta, a cada momento, a respectiva situação histórica concreta de seu objeto. Mas isto não basta. Pois, para esse método, igualmente importante levar em conta a situação concreta e histórica do interesse por seu objeto. Esta situação sempre se funda no fato de o próprio interesse já se encontrar pré-formado naquele objeto e, sobretudo, no fato de ele concretizar o objeto em si, sentindo-o elevado de seu ser anterior para a concretude superior do ser agora (do ser desperto!). A questão de como este ser agora (que é algo diverso do ser agora do “tempo do agora”, já que é um ser agora descontinuo, intermitente) já significa em si uma concretude superior, entretanto, não pode ser apreendida pelo método dialético no âmbito da ideologia do progresso, mas apenas numa visão da história que ultrapasse tal ideologia em todos os aspectos. Aí deveria se falar de uma crescente condensação (integração) da realidade, na qual tudo o que é passado (em seu tempo) pode adquirir um grau mais alto de atualidade do que no próprio momento de sua existência. O passado adquire o caráter de uma atualidade superior graças à imagem como a qual e através da qual é compreendido. Esta perscrutação dialética e a presentificação das circunstâncias do passado são a prova da verdade da ação presente. Ou seja: ela acende o pavio do material explosivo que se situa no ocorrido (cuja figura autêntica é a moda). Abordar desta maneira o ocorrido significa estudá-lo não como se fez até agora, de maneira histórica, mas de maneira política, com categorias políticas. ■ Moda

[K 2, 6]

O Jugendstil — uma primeira tentativa de confrontação com o ar livre. Ele encontra uma primeira expressão característica, por exemplo, nos desenhos da revista Simplizissimus, que mostram claramente como era preciso recorrer à sátira para se conseguir respirar. Por outro lado, o Jugendstil pôde se desenvolver naquela luminosidade e naquele isolamento artificiais nos quais o reclame apresenta seus objetos. Este nascimento do “ar livre” a partir do espírito do intérieur é a expressão sensível da situação do Jugendstil do ponto de vista da filosofia da história: ele significa sonhar que despertamos. ■ Reclame

[K 2a, 1]

Assim como a técnica mostra a natureza em uma perspectiva sempre nova, assim também, no que toca ao homem, ela mobiliza de forma sempre variada seus mais primitivos afetos, angústias e imagens de desejo [Sehnsuchtsbilder]. Neste trabalho, quero conquistar para a história primeva uma parte do século XIX. A face atraente e ameaçadora da história primeva aparece claramente para nós nos primórdios da técnica, no estilo de morar do século XIX; naquilo que está temporalmente mais próximo de nós, essa face ainda não se revelou. Ela aparece mais intensamente na técnica — em razão da causa natural desta — do que em outros domínios. É por isso que fotografias antigas — diferentemente do que acontece com gravuras antigas — possuem algo de espectral.

[K 2a, 6]

Índice histórico da infância segundo Marx. Em sua dedução do caráter normativo da arte grega (como arte nascida da infância da espécie humana), Marx diz: “Cada época não vê reviver, na natureza da criança, seu próprio caráter em sua forma verdadeira e natural?” Cit. em Max Raphael, Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1933, p. 175.

[K 4,2]

Confronto entre o “inconsciente visceral” e o “inconsciente do esquecimento”, sendo o primeiro predominantemente individual, e o segundo predominantemente coletivo. “A outra parte do inconsciente é feita da massa de coisas aprendidas ao longo dos anos ou ao longo da vida, que foram conscientes e que por difusão entraram no esquecimento… Vasto fundo submarino onde todas as culturas, todos os estudos, todas as diligências dos espíritos e das vontades, todas as revoltas sociais, todas as lutas empreendidas encontram-se reunidas num recipiente informe… Os elementos passionais da vida dos indivíduos se retiraram, extinguiram-se. Subsistem apenas os dados provenientes do mundo exterior, mais ou menos transformados e digeridos. E, do mundo externo que é feito esse inconsciente… Nascido da vida social, esse humus pertence às sociedades. A espécie e o indivíduo contam pouco, as únicas referências são as raças e o tempo. Esse enorme trabalho confeccionado na sombra reaparece nos sonhos, nos pensamentos, nas decisões; sobretudo durante os períodos importantes e das reviravoltas sociais, ele é o grande fundo comum, reserva dos povos e dos indivíduos. A revolução e a guerra, como a febre, acionam melhor seu movimento… Estando ultrapassada a psicologia individual, recorramos a uma espécie de história natural dos ritmos vulcânicos e dos cursos d’água subterrâneos. Nada há na superfície do globo que não tenha sido subterrâneo (água, terra, fogo). Não há nada na inteligência que não tenha sido digerido e que não tenha circulado nas profundezas.” Docteur Pierre Mabille, “Préface a l’Éloge des Préjugés Populaires”, Minotaure, II, n° 6, inverno de 1935, p. 2.

[K 6, 1]

“Sendo o inconsciente coletivo uma manifestação da história do mundo que se expressa … na estrutura do cérebro e do simpático, ele significa … uma espécie de imagem do mundo atemporal, de certa forma, eterna, que se opõe a nossa imagem consciente momentânea.” C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart, Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 326 (‘Analytische Psychologie und Weltanschauung”).

[K 6, 2]

Jung denomina a consciência — ocasionalmente! — como “nossa conquista prometéica”. C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart, Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 249 (“Die Lebenswende”). E em outro contexto: “O pecado prometéico é o de ser a-histórico. O homem moderno, neste sentido, vive no pecado. Um grau maior de consciência é, portanto, culpa.Op. cit., p. 404 (“Das Seelenproblem des modernen Menschen”).

[K 6, 3]

“Não há dúvida que … desde a época memorável da Revolução Francesa, o psíquico passou pouco a pouco para o primeiro plano da consciência geral…, devido à sua força crescente de atração. Aquele gesto simbólico de entronização da Deusa Razão em Notre-Dame parece ter significado para o mundo ocidental algo análogo ao abate dos carvalhos de Wotan pelos missionários cristãos, pois tanto naquela ocasião quanto hoje nenhum raio atingiu os blasfemadores.” C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart, Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 419 (“Das Seelenproblem des modernen Menschen”). A “vingança” para estes dois gestos históricos fundadores parece estar iminente hoje, simultaneamente! O nacional-socialismo se encarrega do primeiro, Jung, do segundo.