Capítulo final (VIII — “Résume”) de L’Eternité par les Astres, de Blanqui: ‘O universo inteiro é composto de sistemas estelares. Para criá-los, a natureza tem apenas cem corpos simples a sua disposição. Apesar da vantagem prodigiosa que ela sabe tirar desses recursos, e do número incalculável de combinações que eles oferecem à sua fecundidade, o resultado é necessariamente um número finito, como o dos próprios elementos; para preencher sua extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma de suas combinações originais ou tipos. / Todo astro, qualquer que seja, existe portanto em número infinito no tempo e no espaço, não apenas sob um de seus aspectos, mas tal como se encontra em cada segundo de sua duração, do nascimento à morte. Todos os seres distribuídos em sua superfície, grandes ou pequenos, vivos ou inanimados, partilham o privilégio dessa perenidade. / A terra é um desses astros. Todo ser humano é, pois, eterno em cada um dos segundos de sua existência. O que escrevo neste momento, numa cela do Fort du Taureau, eu o escrevi e o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido como estou agora, em circunstâncias inteiramente semelhantes. Assim para cada um. / Todas essas terras se abismam, uma após a outra, nas chamas renovadoras, para delas renascer e recair ainda, escoamento monótono de uma ampulheta que se vira e se esvazia eternamente a si mesma. Trata-se do novo sempre velho, e do velho sempre novo. / Os curiosos em relação à vida extraterrestre poderão, entretanto, sorrir diante de uma conclusão matemática que lhes conceda não apenas a imortalidade, mas a eternidade? O número de nossos sósias é infinito no tempo e no espaço. Em sã consciência, não se poderia exigir mais. Esses sósias são de carne e osso, até mesmo de calças e paletó, de crinolina e de coque. Não são fantasmas, são a atualidade eternizada. / Eis, entretanto, uma grande falha: não há progresso. Infelizmente! Não são reedições vulgares, repetições. Assim são os exemplares dos mundos passados, e assim também os dos mundos futuros. Somente o capítulo das bifurcações permanece aberto à esperança. Não nos esqueçamos que tudo o que poderíamos ter sido aqui em baixo, nós o somos em alguma outra parte. O progresso aqui embaixo é apenas para nossos descendentes. Eles têm mais sorte que nós. Todas as coisas belas que o nosso globo verá, nossos futuros descendentes já as viram, vêem-nas neste momento e as verão sempre, é claro, sob a forma de sósias que os precederam e que os sucederão. Filhos de uma humanidade melhor, eles já nos ultrajaram muito e nos vaiaram muito sobre as terras mortas, passando por elas depois de nós. Continuam a nos fustigar sobre as terras vivas de onde nós desaparecemos. e nos perseguirão para sempre com seu desprezo sobre as terras a nascer. / Eles e nós — e todos os hóspedes de nosso planeta — renascemos prisioneiros do momento e do lugar que os destinos nos designam na série de suas metamorfoses. Nossa perenidade é um apêndice da sua. Não somos senão fenômenos parciais de suas ressurreições. Homens do século XIX, a hora de nossas aparições está para sempre fixada e nos reconduz sempre os mesmos, na melhor hipótese com a perspectiva de variantes felizes. Nada aí que satisfaça muito a sede de algo melhor. O que fazer? Não procurei meu prazer, procurei a verdade. Não há aqui revelação nem profeta, mas uma simples dedução da análise espectral e da cosmogonia de Laplace. Essas duas descobertas nos fazem eternos. Seria um ganho? Aproveitemos. Seria uma mistificação? Resignemo-nos / … / No fundo, é melancólica essa eternidade do homem pelos astros, e mais triste ainda é esse seqüestro dos mundos irmãos pela inexorável barreira do espaço. Tantas populações idênticas que passam sem ter suspeitado de sua mútua existência! Pois bem! Nós a descobrimos, enfim, no século XIX. Mas quem desejara acreditar nisso? / E depois, até aqui, o passado para nós representava a barbárie, e o futuro significava progresso, ciência, felicidade, ilusão! Esse passado viu desaparecer, sobre todos os nossos globos-sósias, as mais brilhantes civilizações, sem deixar um rastro, e elas desaparecerão ainda sem deixar outros. O futuro reverá sobre bilhões de terras a ignorância, as tolices, as crueldades de nossas velhas eras! / Na hora presente, a vida inteira de nosso planeta, do nascimento à morte, é vivida em parte aqui e em parte lá, dia a dia, em miríades de astros- irmãos, com todos os seus crimes e suas desgraças. O que chamamos de progresso está enclausurado em cada terra e desaparece com ela. Sempre e em todo lugar, no campo terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário, sobre o mesmo palco estreito uma humanidade barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e vivendo em sua prisão como numa imensidão, para logo desaparecer com o globo que carregou com o mais profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma monotonia, mesmo imobilismo nos astros estrangeiros. O universo se repete, sem fim, e patina no mesmo lugar. A eternidade perfaz imperturbavelmente ao infinito as mesmas representações.” A. Blanqui, L’Eternité par les Astres: Hypothèse Astronomique, Paris, 1872, pp. 73-76. O trecho que falta detém-se no “consolo” proporcionado pela idéia de que os entes queridos que se foram desta terra fazem companhia, enquanto sósias, nesta mesma hora, ao nosso sósia, num outro planeta.