F. Th. Vischer, sobre a moda das mangas largas que caem sobre o pulso nas roupas masculinas: “Não são mais braços, e sim asas rudimentares, asas atrofiadas de pingüins, nadadeiras de peixes, e o movimento desses penduricalhos disformes faz com que o homem, ao andar, pareça estar a agitar os braços de forma amalucada e idiota, a empurrar, a tremelicar, a remar.” Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 111.
II o herói
[cf. GS I/2, 569-584 e 600-604]
[B 2a, 6]
Importante crítica política da moda do ponto de vista burguês: “Quando o autor destes pensamentos racionais viu embarcar no trem o primeiro rapaz vestindo uma camisa com o mais moderno colarinho, acreditou piamente estar vendo um padre; pois esta tira branca situa-se na parte inferior do pescoço à mesma altura do conhecido colarinho do clero católico e, além disso, o longo paletó era preto. Quando reconheceu o exemplo mundano da ultima moda, compreendeu o que este colarinho também significa: Oh, para nós, tudo, tudo é igual, até as concordatas! Por que não? Devemos nos entusiasmar com as Luzes como rapazes nobres? Não é a hierarquia mais distinta do que a planura de uma insípida libertação dos espíritos, que ao fim nada mais faz do que azedar o prazer do homem elegante? — Ademais, este colarinho, ao traçar o pescoço numa linha reta e firme, lembra o belo aspecto de um recém-guilhotinado, o que combina bem com o caráter do esnobe.” Alia-se a isso a reação violenta à cor violeta. Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 112.
[B 2a, 7]
Sobre a reação de 1850-1860: “Declarar o que se pensa é tido como ridículo, ser severo, como infantil; assim sendo, como a roupa não deveria tornar-se também sem graça, frouxa e, ao mesmo tempo, apertada?” Vischer, p. 117. Assim, ele relaciona a crinolina também ao “imperialismo fortalecido que se estende e se infla como ela e que é a última e mais forte expressão do refluxo de todas as tendências do ano de 1848, fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da justiça e da injustiça da revolução”. Vischer, p. 119.
[B 7, 5]
A crinolina “é o símbolo inequívoco da reação por parte do imperialismo que se estende e se infla…, fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da justiça e da injustiça da revolução… Ela parecia um capricho do momento e se instalou por todo um período, como o 2 de dezembro.” F. Th. Vischer, cit. em Eduard Fuchs, Die Karikatur der europäischen Völker, Munique, vol. II, p. 156.
[B 8, 1]
Eduard Fuchs (Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart: Das bürgerliche Zeitalter, volume complementar, Munique, pp. 56-57) cita — sem referências uma observação de F. Th. Vischer, que considera a cor cinzenta da roupa masculina simbólica para o caráter “totalmente blasé” do mundo masculino e de sua insipidez e inércia.
[D 4, 1]
“Somente a Inglaterra podia ter produzido o dandismo; a França é tão incapaz de produzir seu equivalente quanto sua vizinha o é de oferecer o equivalente de nossos … ‘leões’, tão apressados em agradar quanto os dândis em desprezar … D’Orsay … agradava naturalmente e apaixonadamente a todo o mundo, mesmo aos homens, enquanto que os dândis só agradavam desagradando… Do leão ao pretendente a dândi há um abismo; mas quão maior é o abismo entre o pretendente a dândi e o miserável!” Larousse, Grand Dictionnaire Universel du Dix-neuvième Siècle, vol. VI, Paris, 1870, p. 63 (verbete “art dandy”).
[D 4a, 2]
“O Romantismo culmina numa teoria do tédio; o sentimento moderno da vida, numa teoria do poder, ou, pelo menos, da energia… Com efeito, o Romantismo marca a tomada de consciência pelo homem de um feixe de instintos que a sociedade está fortemente interessada em reprimir, mas ele manifesta em grande parte o abandono da luta… O escritor romântico … volta-se para … uma poesia de refúgio e de evasão. A tentativa de Balzac e de Baudelaire é exatamente inversa e tende a integrar na vida os postulados que os Românticos se resignavam em realizar unicamente no plano da arte… Nisso seu empreendimento era muito próximo do mito, que significa sempre um acréscimo do papel da imaginação na vida”. Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”, (Nouvelle Revue Française, XXV, 284, 1° de maio de 1937, pp. 695 e 697).
[D 5, 1]
O capítulo referente a Guys em L’Art Romantique, sobre os dândis: “Todos são representantes … dessa necessidade, hoje muito rara, de combater e destruir a trivialidade… O dandismo é o último brilho de heroísmo na decadência; e o tipo do dândi, encontrado pelo viajante na América do Norte, não enfraquece em nada essa idéia, porque nada nos impede de supor que as tribos que chamamos de selvagens sejam remanescentes de grandes civilizações desaparecidas… Seria preciso dizer que Monsieur G., quando desenha um de seus dândis no papel, confere-lhe sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário, ousaria dizer, se não fosse questão do tempo presente e de coisas consideradas geralmente como brincadeira?” Baudelaire, L’Art Romantique (ed. Hachette, tomo III), Paris, pp. 94-95.
[D 5, 2]
[S 5a, 4]
No livro The Nightside of Paris, de Edmund B. d’Auvergne (Londres, s. d., por volta de 1910), encontra-se à página 56 uma nota dizendo que havia sobre a porta do antigo Chat Noir (na Rue Victor-Massé) a seguinte inscrição: “Transeunte, seja moderno!” (Segundo carta de Wiesengrund) — Rollinat no Char Noir.
[K 2, 1]
“É estranho, além do mais, constatar que, ao observar este movimento intelectual em seu conjunto, Scribe tenha sido o único a tratar do presente de forma direta e profunda. Todos os outros ocupam-se mais com o passado do que com os poderes e interesses que põem em movimento seu próprio tempo… Foi igualmente do passado, da história da filosofia, que a doutrina eclética tirou suas forças; e foi finalmente a história da literatura, cujos tesouros a crítica descobriu com Villemain, sem aprofundar-se na vida literária de sua própria época.” Julius Meyer, Geschichte der modernen französischen Malerei, Leipzig, 1867, pp. 415-416.
[K 4a, 2]
[K 4a, 3]
Notas de D’Eichthal sobre o projeto da “cidade nova” de Duveyrier. Elas se referem ao templo. É significativo que o próprio Duveyrier diz: “Meu templo é uma mulher!”… A réplica de D’Eichthal: “Penso que haverá no templo o palácio do homem e o palácio da mulher; o homem irá passar a noite na casa da mulher e a mulher virá trabalhar durante o dia na casa do homem. Entre os dois palácios ficará o templo propriamente dito, o lugar da comunhão do homem e da mulher com todas as mulheres e com todos os homens; e ali o casal não repousará nem trabalhará sozinho… O templo deve representar um andrógino, um homem e uma mulher… A mesma divisão deverá se reproduzir na cidade, no reino, na terra inteira: haverá o hemisfério do homem e o da mulher.” Henry-René d’Allemagne, Les Saint-Simoniens 1827-1837, Paris, 1930, p. 310.
[p 2a, 1]
Sobre o materialismo antropológico. Conclusão de Ma Loi d’Avenir, de Claire Démar: “Basta de maternidade, basta de lei do sangue. Digo: chega de maternidade. Com efeito, a mulher libertada … do homem, que não lhe pagará mais o preço de seu corpo, … manterá sua existência somente com seu trabalho. Para tanto, pois, é necessário que a mulher busque um trabalho, que ocupe uma função — e como ela poderia fazê-lo, se vive condenada a dedicar uma parte mais ou menos extensa de sua vida aos cuidados que exige a educação de um ou de vários filhos? …Vocês querem libertar a mulher? Pois bem, tirem o recém-nascido do seio da mãe de sangue e levem-no para os braços de uma mãe social, da ama funcionária, e a criança será mais bem educada… Então — e somente então — homem, mulher e criança serão todos libertados da lei do sangue, da exploração da humanidade pela humanidade.” Claire Démar, Ma Loi dAvenir: Ouvrage Posthume Publié par Suzanne, Paris, 1834, pp. 58-59.
[p 3, 1]
Para caracterizar a relação de Claire Démar com James de Laurent, é preciso citar várias passagens de sua obra Ma Loi d’Avenir. A primeira encontra-se no prefácio escrito por Suzanne, que trata inicialmente da recusa de Claire Démar em colaborar com La Tribune des Femmes: “Até o 17º número, ela havia repetidamente recusado, dizendo que o tom desse jornal era demasiadamente moderado… Quando esse número saiu, havia uma passagem num artigo meu que, por sua forma, por sua moderação, exasperou Claire. — Ela me escreveu dizendo que responderia. — Mas … sua resposta tornou-se uma brochura. Ela decidiu então publicá-la separadamente, fora do jornal… Aqui está, aliás, o fragmento do artigo, do qual Claire citou apenas algumas linhas: ‘Ha ainda pelo mundo um homem que interpreta … o cristianismo … de maneira … favorável a nosso sexo: é o Sr. James de Laurence, autor de uma brochura intitulada Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus… O autor não é saint-simoniano, … ele concebe a hereditariedade pelo lado das mães. Certamente esse sistema … é muito vantajoso para nós; tenho fé que uma parte entrará … na religião do futuro, e que o princípio da maternidade tornar-se-á uma das leis fundamentais do Estado.'”— (Claire Démar, Ma Loi d’Avenir: Ouvrage Posthume Publié par Suzanne, Paris, 1834, pp. 14-16). No texto de seu próprio manifesto, Claire Démar defende a causa de Laurence e refuta as objeções do jornal La Tribune des Femmes contra ele, que o recrimina por defender uma “liberdade moral … sem regras nem limites”, que “nos levaria a uma grosseira e repugnante confusão”. A crítica incide sobre o fato de Laurence fazer do mistério o princípio nestes assuntos, um mistério em virtude do qual deveríamos prestar contas somente a um Deus místico. O jornal La Tribune des Femmes, por sua vez, afirma: “A sociedade do futuro repousará não sobre o mistério, mas sobre a confiança, porque o mistério prolongaria ainda mais a exploração de nosso sexo.” Claire Démar retruca: “Certamente, Senhoras, se eu confundisse, como vocês, a confiança com a publicidade; se proclamasse, como vocês, que o mistério prolonga a exploração de nosso sexo, eu deveria saudar com minhas bênçãos os tempos em que vivemos.” Ela descreve então a brutalidade dos costumes da época: “Diante do prefeito e diante do padre…, um homem e uma mulher arrastaram um longo séquito de testemunhas… Eis … a união dita legítima, a que permite que uma mulher diga sem enrubescer: tal dia, tal hora, receberei um homem na minha CAMA de MULHER!!!… A união, contraída perante a multidão, arrasta-se lentamente através de uma orgia de vinhos e danças até o leito nupcial, transformado em leito de devassidão e prostituição, e permite à imaginação delirante dos convidados seguir … todos os detalhes … do drama lúbrico representado com o nome de noite de núpcias! Se o costume que assim mostra a recém-casada … aos olhos audaciosos…, que a prostitui para os desejos desenfreados…, não lhes parece uma horrível exploração … não sei mais o que dizer.” (Op. cit., pp. 29-30).
[p 3a, 1]
Confissão lésbica de uma saint-simoniana: “Eu começava a gostar tanto do meu próximo que era mulher quanto do meu próximo que era homem…; deixava ao homem sua força física e seu tipo de inteligência para elevar ao lado dele, de maneira igual, a beleza corporal da mulher e suas faculdades espirituais particulares.” Sem indicação de fonte ou autoria, em Firmin Maillard, La Légende de la Femme Émancipée, Paris, p. 65.
[p 3a, 3]
Máximas de James de Laurence, em Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée avec la Philosophie, Paris, junho de 1831: “É mais razoável crer que todos os filhos são feitos por Deus, que dizer que todos os casados são unidos por Deus” (p. 14). A partir do episódio da adúltera que fica sem castigo diante de Jesus, Laurence chega à conclusão de que este não era favorável ao casamento: “Ele a perdoou porque considerava o adultério uma conseqüência natural do casamento, e ele o teria admitido se o encontrasse entre seus discípulos… Enquanto existir casamento, a mulher adúltera será uma criminosa, porque ela dá ao seu marido a carga dos filhos de outro. Jesus não podia tolerar uma tal injustiça; seu sistema é conseqüente: ele queria que os filhos pertencessem à mãe. Daí estas palavras admiráveis: ‘A ninguém na terra chameis ‘Pai’ pois um só é o vosso Pai, o celeste.'” (p. 13). “Os filhos de Deus, descendentes de uma só mulher, formam uma só família… A religião dos judeus foi a da paternidade, através da qual os patriarcas exerceram sua autoridade doméstica. A religião de Jesus é a da maternidade, cujo símbolo é uma mãe trazendo uma criança nos braços; e esta mãe é chamada ‘a Virgem’, porque mesmo cumprindo os deveres de uma mãe, ela não havia renunciado à independência de uma virgem.” (pp. 13-14)
[p 5a, 1]
O ideal heróico de Baudelaire é andrógino. Isto não o impede de escrever: “Conhecemos a mulher autora filantropa, a sacerdotisa sistemática do amor, a poetisa republicana, a poetisa do futuro, fourierista ou saint-simoniana; e nossos olhos … nunca conseguiram se acostumar com toda essa feiúra presunçosa.” Baudelaire, L’Art Romantique, tomo III, Paris, Ed. Hachette, p. 340 (“Marceline Desbordes-Valmore”).